Gregos, baianos e troianos
Por ROBERTO VIEIRA
Grande parte da humanidade admira a arte da diplomacia, a qual entre outras definições significa também a habilidade para lidar com outras pessoas, o tato, o jeito, não necessariamente o jeitinho brasileiro. Qual de nós nunca conheceu na escola, na família ou na vida aquela pessoa que conseguia trafegar entre todas as vertentes e sempre ser benquisto? Alguém que conseguia o milagre de agradar gregos, baianos e troianos? Um Tancredo em sua fase final de vida, ou um Adenauer, um Sandro Pertini?
Pois bem, meu ídolo nesse quesito é o Arnaldo, velho colega dos tempos de jardim de infância. Arnaldo que acaba de aprontar mais uma das suas.
Anteontem, Arnaldo chegou cheio dos escoceses e brahmas na comemoração de Natal familiar. E chegou trajando a camisa do Santa Cruz, hálito etílico nas alturas e metade do peru que sua esposa havia encomendado para a ceia na casa da mãe – dela – comido… Pelo marido, no caminho para a casa da sogra – dele.
A família já estava em polvorosa. Arnaldo havia saído para pegar o peru na padaria de tarde, avisou que o peru ainda estava assando, e depois mandou todo mundo para a casa da sogra dizendo que iria pra lá direto. Isso às cinco da tarde.
Já eram dez horas quando ele entrou na casa carregando, finalmente, o peru. Ou parte dele.
Arnaldo entrou, beijou o sogro rubro negro na bochecha, disse que a sogra estava muito sexy no vestido vermelho e nem ligou pro beliscão na coxa que recebeu de sua esposa. O restante da festa foi um espetáculo de baixaria e beijos na família, culminando com Arnaldo dormindo de cuecas na casinha do cachorro, um pitbull gente boa que comeu o resto do peru do Arnaldo, virou de lado e pegou no sono também.
Como toda cachaça termina algum dia, o sol da manhã despertou nosso amigo para a realidade do cotidiano. De cuecas e na casa da sogra, Arnaldo teve alguma dificuldade em encontrar suas calças e sua camisa do Santa Cruz. Devidamente trajado, nem se deu ao trabalho de dar bom dia a ninguém, saiu de fininho pelas ruas do Recife até chegar em casa onde tudo estava na mais perfeita paz. Filhos brincando e sua esposa assistindo televisão.
Nenhuma pergunta, nenhuma cara feia. Arnaldo tomou banho, vestiu o pijama e caiu no sono dos justos.
Porquê Arnaldo é diplomático, tão gente boa que pode tudo.
Quando foi de tarde, Arnaldo saiu para o mercado de São José e comprou três adereços para o carro, pendurando-os no espelho retrovisor do veículo. Junto deles, algumas fitinhas do Senhor do Bonfim, por via das dúvidas.
Fui perguntar pro Arnaldo por que aqueles adereços do Santa Cruz, Náutico e Sport no carro. Que brincadeira era aquela?
– Bom, o do Santa Cruz é por mim e pelos meninos. O do Sport pra agradar a esposa, o sogro e a sogra.
– E o do Náutico, Arnaldo?
– Esse é pra agradar a Geninha!
– Que Geninha?
– Geninha foi o motivo pra eu me atrasar pra ceia de Natal… A bebedeira era só teatro, bicho!
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