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Blog do Juca Kfouri

Gregos, baianos e troianos

Juca Kfouri

27/12/2018 14h00

Por ROBERTO VIEIRA

Grande parte da humanidade admira a arte da diplomacia, a qual entre outras definições significa também a habilidade para lidar com outras pessoas, o tato, o jeito, não necessariamente o jeitinho brasileiro. Qual de nós nunca conheceu na escola, na família ou na vida aquela pessoa que conseguia trafegar entre todas as vertentes e sempre ser benquisto? Alguém que conseguia o milagre de agradar gregos, baianos e troianos? Um Tancredo em sua fase final de vida, ou um Adenauer, um Sandro Pertini?

Pois bem, meu ídolo nesse quesito é o Arnaldo, velho colega dos tempos de jardim de infância. Arnaldo que acaba de aprontar mais uma das suas.

Anteontem, Arnaldo chegou cheio dos escoceses e brahmas na comemoração de Natal familiar. E chegou trajando a camisa do Santa Cruz, hálito etílico nas alturas e metade do peru que sua esposa havia encomendado para a ceia na casa da mãe – dela – comido… Pelo marido, no caminho para a casa da sogra – dele.

A família já estava em polvorosa. Arnaldo havia saído para pegar o peru na padaria de tarde, avisou que o peru ainda estava assando, e depois mandou todo mundo para a casa da sogra dizendo que iria pra lá direto. Isso às cinco da tarde.

Já eram dez horas quando ele entrou na casa carregando, finalmente, o peru. Ou parte dele.

Arnaldo entrou, beijou o sogro rubro negro na bochecha, disse que a sogra estava muito sexy no vestido vermelho e nem ligou pro beliscão na coxa que recebeu de sua esposa. O restante da festa foi um espetáculo de baixaria e beijos na família, culminando com Arnaldo dormindo de cuecas na casinha do cachorro, um pitbull gente boa que comeu o resto do peru do Arnaldo, virou de lado e pegou no sono também.

Como toda cachaça termina algum dia, o sol da manhã despertou nosso amigo para a realidade do cotidiano. De cuecas e na casa da sogra, Arnaldo teve alguma dificuldade em encontrar suas calças e sua camisa do Santa Cruz. Devidamente trajado, nem se deu ao trabalho de dar bom dia a ninguém, saiu de fininho pelas ruas do Recife até chegar em casa onde tudo estava na mais perfeita paz. Filhos brincando e sua esposa assistindo televisão.

Nenhuma pergunta, nenhuma cara feia. Arnaldo tomou banho, vestiu o pijama e caiu no sono dos justos.

Porquê Arnaldo é diplomático, tão gente boa que pode tudo.

Quando foi de tarde, Arnaldo saiu para o mercado de São José e comprou três adereços para o carro, pendurando-os no espelho retrovisor do veículo. Junto deles, algumas fitinhas do Senhor do Bonfim, por via das dúvidas.

Fui perguntar pro Arnaldo por que aqueles adereços do Santa Cruz, Náutico e Sport no carro. Que brincadeira era aquela?

– Bom, o do Santa Cruz é por mim e pelos meninos. O do Sport pra agradar a esposa, o sogro e a sogra.

– E o do Náutico, Arnaldo?

– Esse é pra agradar a Geninha!

– Que Geninha?

– Geninha foi o motivo pra eu me atrasar pra ceia de Natal… A bebedeira era só teatro, bicho!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/