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Blog do Juca Kfouri

Sim, o futebol é parte da solução de nossos problemas

Juca Kfouri

07/11/2018 11h00

POR RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO

Semana passada, em texto intitulado E agora, Jair? Agora, olhe para o futebol, tentei demonstrar a importância deste esporte para o País. Aliás, venho tratando disso há quase quatro anos. 

Além de algumas manifestações concordantes, recebi mesma quantidade de comentários contrários, sempre no mesmo sentido: o futebol é irrelevante e há problemas mais complexos e prioritários a resolver.

Na lista de prioridades aparecem os temas de sempre: saúde, educação, desemprego, segurança e transporte. 

Todos são, sem dúvida, fundamentais, e reaparecem em todas as campanhas: candidatos à presidência, governos estaduais ou municipais costumam pedir votos justamente para solucionar essas questões, e, eleitos, pouco ou nada fazem. Ou, se fazem, não conseguem superar o déficit existente, de modo que a percepção negativa sustenta os discursos dos futuros oponentes ou sucessores (inclusive de afilhados políticos). Em casos extremos, o governante que nada – ou pouco – fez renova pedido de voto para solucionar algo que causou ou que deveria ter solucionado em primeiro mandato. 

Portanto, essas bandeiras estão sempre presentes e influenciam, apesar da costumeira falta de propostas objetivas e realistas, a decisão de eleitores. 

Assim, assume-se, aqui, uma premissa que, acho, ninguém, confronta: o Brasil precisa, de uma vez por todas, enfrentar as ineficiências em todas essas áreas, a começar pela educação e pelo desemprego. 

Essa proposição não descarta, porém, o papel e a relevância do futebol. Não há contradição, oposição ou conflito. Ao contrário: as ações, em todos os campos deficitários, devem ser vistas como complementares e integrantes de um pacote de medidas necessárias para redirecionar a sociedade brasileira. 

Mais do que isso: o futebol pode contribuir para implementação de políticas públicas relacionadas às outras áreas de preocupação coletiva. Ou seja, não há substituição de prioridades; apenas um incremento no espectro de atuação. 

Pegue-se, inicialmente, o exemplo da educação. 

O que o Estado pode fazer para combater a falta de interesse de crianças desfavorecidas economicamente, que olham ao redor e se deparam com pobreza e desemprego, incluindo o dos próprios pais, para frequentar a sala de aula? 

Um membro das classes mais abastadas talvez diga que se trata de uma questão de vontade: basta querer e se esforçar para superar e vencer. O argumento é falacioso e insensível à realidade, mesmo que se apresentem casos práticos de notável e admirável ascensão social e econômica, porque os obstáculos são monumentais. Aqui se está, pois, no grupo das exceções. 

A argumentação é válida, por outro lado, para pessoas que, por sorte, integram ambientes que oferecem as condições para realização daquele propósito. Aí sim se pode afirmar, com maior propriedade, que a vontade e a dedicação sãoelementos decisivos para o sucesso pessoal. 

Voltando ao cerne da questão, não se pode condenar a criança que, diante da aparente (ou efetiva) falta de perspectiva, se seduz por outros caminhos que não aquele que a sociedade burguesa projeta para os seus filhos, que se beneficiam duma realidade excepcional; em outras palavras, a educação é, lamentavelmente, no Brasil, um instrumento das elites, e não das massas. 

 pode fazer diferença a função transformadora do futebol. Por exemplo, mediante a instituição de atividade futebolística complementar, a ser frequentada por crianças que estejam matriculadas em escolas públicas, sejam assíduas e obtenham certo desempenho, e que serão treinadas por ex-jogadores profissionais – talvez ídolos daquelas crianças. 

A virtuosidade do singelo exemplo – apenas um dentre os vários que se podem implementar – é indisputável: dá-se o motivo para estudar, desenvolve-se uma aptidão, incentiva-se a formação educacional e, na outra ponta, cria-se um mercado de trabalho para jogadores aposentados. 

Veja-se, agora, o tema do desemprego, ou melhor, da perspectiva de criação de emprego – logo, de renda, riqueza e desenvolvimento econômico e social:  futebol não envolve apenas 22 jogadores em campo e os poucos agentes que gravitam ao seu redor; engloba, como se reconhece em países que compreenderam a importância do grande esporte em geral, e o futebol é o maior de todos, como os Estados Unidos e a Inglaterra, setores de turismo, hotelaria, restauração, serviços, indústria, construção, licenciamento etc, etc, etc. Aquela lógica reducionista o está reduzindo, para deleite dos donos do poder futebolístico, a uma degradante atividade de exportação de commodity humana.

Por todos esses motivos não consigo entender o que leva (i) o brasileiro, em todos os níveis, a desprezar algo que faz parte, com tanto vigor, de sua cultura, e(ii) os políticos em geral a tratar o futebol como tema menor.

Enfim, o futebol não resolverá tudo, mas poderá ser parte da solução de alguns dos maiores problemas do País. 

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/