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Blog do Juca Kfouri

O campeão de ioiô

Juca Kfouri

14/11/2018 19h07

POR ROBERTO VIEIRA 


Agosto de 1933,
 bairro da Madalena em Recife. 


Antonio Barbosa era órfão. Havia perdido seu pai e se distraia na saudade brincando de ioiô. Jogava o dia todo. Saía da escola e se agarrava ao brinquedo. Os amigos já gostavam do jogo de bola, mas Antonio preferia a solidão do ioiô.

Somente com o brinquedo ele conseguia afastar a tristeza.

As Lojas Brasileiras surgiram com a promoção. O campeonato pernambucano de… ioiô.

Os amigos de Antonio disseram pra ele se inscrever. Ele não queria. O ioiô era um amigo e não uma competição de verdade, um jogo como aquele jogo dos amigos.

O ioiô era o refúgio de Antonio.

Mas os amigos fizeram pilhéria. Os professores fizeram descaso daquele campeonato absurdo – bom era xadrez. De tanto que fizeram pouco, Antonio se inscreveu no tal campeonato. Para mostrar ao mundo que o mundo não sabia de nada.

Domingo de sol improvável naquele mês de tantos ventos e chuvas na cidade. Recife parou para ver o campeonato pernambucano de ioiô. Jornais dizendo que o próprio Príncipe de Gales também gostava de ioiô.

Ante o olhar espantado de seus competidores. Diante do semblante estupefato dos amigos que se bandearam ao descampado para ver a vergonha do amigo. Sob o semblante severo da comissão julgadora… enfim, pra toda gama de espectadores que trocara o domingo de futebol pelo domingo de ioiô, Antonio mostrou do que era capaz no ioiô.

Durante quinze minutos exibiu piruetas, desenhos, filigranas, truques mágicos e rodopios. Antonio venceu a tudo e a todos. Foi consagrado rei do ioiô, campeão dos campeões, glória do desporto nacional.

Final do certame, caminho de casa, lá estava Antonio e seu amigo no bolso. O único verdadeiro amigo que possuía. O único amigo que estivera com ele após o adeus do seu pai. Seu pai que lhe presenteara com aquele ioiô. Seu Antonio Barbosa que lhe ensinara cada truque daquele ioiô, debaixo das críticas dos parentes e da esposa que não entendiam tamanha paixão por um brinquedo.

Antonio chegou em casa. A mãe disse que estava atrasado para o almoço e que agora só janta. O padrasto gritou que ele não passava mesmo de um irresponsável qualquer.

Antonio não disse nada. 

Foi para o quarto e lá se trancou com o amigo ioiô e a medalha das Lojas Brasileiras.

Pois um campeão não deve chorar…

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/