Desilusões
POR LUIS FERNANDO VERISSIMO, em O Globo de hoje
"Desilusão, desilusão…" O samba "Dança da solidão", do grande Paulinho da Viola, cantado pela grande Marisa Monte, seria um fundo musical perfeito para estes estranhos tempos.
Poderíamos chamá-lo de leitmotiv da nossa desesperança, se quiséssemos ser bestas.
A desilusão começou quando? Dá para escolher.
No fim da ditadura que o Bolsonaro diz que nunca existiu, quando Tancredo ia tomar posse como o primeiro presidente civil em 20 anos, mas os germes hospitalares de Brasília tinham outros planos?
Depois viria o entusiasmo seguido de grande frustração com Collor, o Breve, tão bonito, tão moderno, tão raso, a desilusão com o PT e a desilusão com os políticos em geral, agravada com as revelações de que até grão senhores da República levavam bola.
E a desilusão com o 7 a 1, e a desilusão com a seleção do Tite, e a desilusão com a votação maciça para presidente de um homem notoriamente despreparado para o cargo por eleitores desiludidos e iludidos.
Agora, os que claramente anseiam por heróis veem o Sergio Moro aceitar o Ministério da Justiça do novo governo, como recompensa (se não é, parece) por ter despachado o Lula para a cadeia ligeirinho e publicado a delação do Palocci contra o Lula dias antes da eleição. Até os mitos desiludem.
Por falar em escândalos… O samba do Paulinho também tem um verso que, ligeiramente adaptado, nos diz respeito: "Quando eu penso no futuro, não esqueço o passado".
Se esta eleição presidencial por grande maioria provou alguma coisa, é que nosso passado não tem mais nenhuma relevância política.
A ditadura foi esquecida, até os generais estão voltando.
Bolsonaro pode ter razão, a ditadura pode nunca ter acontecido, o golpe de 64 pode ter sido apenas um movimento de tropas, como disse o Toffoli.
Foi tudo um delírio, vamos esquecê-lo.
Rubens Paiva, Stuart Angel, Vladimir Herzog, Manuel Fiel Filho e as centenas de supostos desaparecidos, podem voltar.
Acabou a farsa.
E façam suas apostas: o que vai ser esclarecido primeiro, o caso da bomba no Riocentro, do qual nunca se ouviu mais nada, ou o caso da Marielle, que também não?
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Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/