Nelson Rodrigues não acreditava em tortura
POR VICTOR DA ROSA*
Nelson Rodrigues, durante anos, duvidou que existia tortura, morte e perseguição na ditadura militar brasileira. Chegou a elogiar o general Médici, com quem assistia aos jogos do Fluminense no Maracanã, e a intitular ironicamente um dos seus livros pelo apelido que, por isso, ele recebeu: "O reacionário". Dizia que não era bem assim, que as pessoas estavam exagerando muito. Nas crônicas que escrevia em O Globo, Nelson referia-se a Dom Helder Câmara como "ex-católico e arcebispo vermelho", por ser um bispo que defendia direitos humanos.
Apenas quando viu Nelsinho Rodrigues, o próprio filho, preso e todo quebrado após um período de tortura, o pai passou a revisar seu posicionamento. Descrente, Nelson Rodrigues ainda teria perguntado: você foi torturado? E o filho respondeu que "barbaramente". "Só ali caiu a ficha", disse Nelsinho anos depois. É provável que a vida de Nelsinho tenha sido poupada por intervenção do pai, que avisou aos militares, quando soube da prisão, que o filho tinha o peito afundado. Mas a conta da história chegou, pois as contas sempre chegam. E quanto mais a gente demora a pagar, maiores serão os juros. Nelson Rodrigues foi um que pagou bem caro.
*Victor da Rosa é professor de literatura.
Sobre o Autor
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