Futebol de segunda
POR RICARDO PORTO*
Futebol de segunda. Na dimensão mais desvairada de meus 50 e lá vai pedrada anos de futebol, devaneios marcados por lances mágicos de Pelé, Gerson, Rivellino, Maradona e tantos (mas não muitos) extra classe me assombram na escura e nunca silenciosa noite da floresta.
Recluso, radinho de pilha colado ao ouvido, busco nas quase extintas sintonias do AM um sopro de esperança. Não ver o jogo me consola, me atiça a memória. Ouvir de alguma forma estimula a imaginação, que corre solta entre as vinhetas e bordões dos narradores, entre os chiados crescentes quando se avizinham as nuvens carregadas de chuva, que transformam a transmissão radiofônica em guerra eletromagnética.
Como conceber que tenhamos chegado a tamanha agressão às retinas fatigadas, literalmente dilaceradas pelo tempo e sua implacável afirmação? Futebol de segunda. Futebol de 13? 13 gols por rodada. No Brasil, do Brasil? Não! Impossível.
Somos o país do futebol, os reinventores do jogo, os pentacampeões. Pois é. Fomos um dia. Um dia sediamos uma final de Copa do Mundo num histórico estádio, estalando de novo, cuja versão original e monumental foi posta abaixo. Pela segunda vez, perdemos a Copa em casa. Aquele 7×1 do qual nos tentam fazer esquecer com discursos treinados e articulados em tom de mantra.
Passados quatro anos, duas equipes tradicionais voltam a se encontrar no mesmo cenário – um domingo. Nas arquibancadas, pouco mais de 10 mil pessoas, que pagaram em média 3 dólares (15 reais) para ver futebol (ou tentar revivê-lo em suas memórias retinoicas).
O estádio parece o mesmo. Seu telão fantástico. Sua aura de magia secular. No entanto, o gramado… O que foi feito daquela grama da Copa, plantada com todo o cuidado em Saquarema? Ouço o depoimento do repórter que, de perto, constata ser um campo de terra, remendado aqui e ali, muita areia para tapar os buracos. Assim, todo passe sai quadrado, todo domínio é imponderável.
Pobres jogadores. Um Rivellino ou um Gérson já não vestem essas camisas. Se vestissem, talvez nem estivessem em campo, pois a ordem agora é atuar com três volantes, três zagueiros, atacantes que voltam, marcam. Não pode é tomar gol.
Dane-se o domínio, dane-se a arte, dane-se o domingo. Primeiro, não perder. Depois, se a sorte lhe bafejar, se o espírito do Rei baixar numa bola alçada, aí sim, fazer o gol e vencer. Futebol de segunda.
*Ricardo Porto é jornalista.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/