VASCO, 120
Por ROBERTO VIEIRA
3 de abril de 1904.
Cândido José de Araújo beijou a medalha de prata.
Ninguém conseguira mais sócios para o Vasco que ele.
Vasco que era das águas.
Cândido que era da África.
Não havia lugar para Cândido no Fluminense ou Flamengo.
O lugar de Cândido era o Vasco da Gama.
26 de junho era aniversário de Cândido?
Lá ia a corriola familiar para o Vasco da Gama.
Porquê naquele mesmo 1904, Cândido seria eleito presidente vascaíno.
O primeiro presidente negro de um clube brasileiro.
Escrever sobre o Vasco é, pois, escrever sobre a luta contra o racismo.
O Vasco que triunfou sobre a pureza racial – troço esquisito no Brasil.
O Vasco que jogava de negro para provocar o adversário.
Negros mares orientais.
Vasco de analfabetos, mulatos, descamisados e bons de bola.
Bons de bola e de remo.
O Vasco surgiu dez anos após a Lei Áurea.
Mas parece que só o Vasco levou a Lei ao pé da letra.
O Brasil de todas as raças de Freyre só surgiu em campo na cruz de malta.
Tinha mistura no Bangu – mas era britânica.
O caldeirão só explodiu no clube dito lusitano.
Claro… o futebol não era território de Cândido.
Muito mais interessado no Albatroz.
Cem anos atrás o time ainda se apresentava de casaca, ou seria jaqueta?
Casaca, casaca, casaca… a turma é mesmo boa!
Eram tempos dos lanches no Filhos do Céu.
Tempos dos pagamentos de bichos por vitória.
Bichos, mesmo!
Bichos que simbolizavam cédulas.
Cinco mil réis um coelho, pá!
Seiscentos e sessenta e cinco contos por S. Januário.
S. Januário que sacudiu o futebol brasileiro.
Futebol que seria muito parecido com uma França branca e trigueira sem o Vasco.
Pois a própria seleção brasileira se queria branca até no uniforme.
Como se o Brasil fosse imaculado.
Como se negro fosse mácula.
Cândido achava graça.
E pra quem imagina que isso tudo é coisa do passado.
Nada como lembrar Gentil Cardoso, técnico de tantos clubes.
Inclusive do Vasco.
Técnico que nunca treinou a seleção brasileira por ser negro.
Como Cândido.
Porque o futebol continua dotado de um cinismo extraordinário.
A negritude é permitida dentro de campo.
Na senzala.
Técnicos devem ser como os senhores da casa grande…
Hoje, cento e vinte anos do Vasco.
Vasco que vestiu até Pelé.
Imaginemos o que seria do Brasil sem o futebol e sem o Vasco.
Um Brasil.
Sem Expresso.
Sem Vitória.
Um Brasil escandinavo…
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/