São Paulo dificulta a formação de novos torcedores
POR RODRIGO HAIDAR*
Você sabia que ingressos para as arquibancadas do Morumbi, nos jogos do São Paulo, não são mais vendidos em bilheterias?
Sim, para as arquibancadas só é possível comprar ingressos no site de uma empresa chamada Total Acesso.
Alguém poderá até defender isso: "Bom, é o novo mundo.
A Receita Federal só permite a entrega da declaração do Imposto de Renda por meio eletrônico e ninguém deixa de declarar por isso". É verdade!
Mas a empresa não permite que um torcedor compre mais do que um ingresso com valor de meia-entrada, por cartão e por CPF.
É até difícil explicar, mas vou tentar.
O torcedor cadastra seus dados (nome, endereço, CPF, cartão de crédito) no site e vai para a parte de compra de ingressos. Se ele quiser comprar cinco ou seis ingressos com valores cheios para o mesmo setor, não terá problemas. Mas, meia-entrada, só uma. Sim, apenas uma.
Aí o torcedor tem duas filhas, de oito e 11 anos, e quer comprar duas meias-entradas porque, afinal, as duas são estudantes. Como faz? Tem de fazer outro cadastro, com outro cartão de crédito e outro CPF, para comprar a segunda meia-entrada. E se o torcedor quer levar o sobrinho, menor e estudante, junto com as filhas? Se quiser pagar a meia-entrada a que tem direito o menino, terá de fazer um terceiro cadastro, com outro CPF e outro cartão de crédito, para comprar o ingresso para o sobrinho.
Ou seja, se um torcedor adulto, saudoso dos tempos em que o São Paulo ainda jogava futebol, quiser levar ao estádio três crianças para despertar nelas o carinho pelo clube, tem duas opções. 1. Paga os ingressos de arquibancada com valor cheio. 2. Faz três cadastros diferentes e leva três cartões de crédito para o estádio, porque o acesso pela catraca se dá com o cartão usado na compra.
O que causa perplexidade é que a regra só vale para as arquibancadas.
Para os outros setores, mais caros e, convenhamos, sem a mesma graça da arquibancada, o torcedor compra quantos ingressos quiser porque eles estão à venda nas bilheterias. O torcedor, inconformado, ligará para a empresa Total Acesso, para o Morumbi, conseguirá falar com um cidadão do departamento financeiro do clube, e todos dirão a mesma coisa: são as regras. Um atendente ensaiará um discurso artificial sobre a importância do registro individual por CPF por conta da violência nos estádios.
"Ora, mas por que só para a arquibancada?".
"Meu senhor, são as regras do Ministério Público".
E o torcedor fica sem saber se está em um enredo de Kafka ou ao telefone tentando comprar ingressos, porque até ali ele tinha a crença de que não é atribuição do Ministério Público criar regras. Enfim, o torcedor desistirá de levar as crianças para o Morumbi, inconformado com a burocracia para a compra de ingressos e com a sensação de que, se a dificuldade só alcança os ingressos com preços mais populares, está evidente de que se trata de uma odiosa discriminação social. Não dá para compactuar com isso.
Uma pena! Para um clube que não vem jogando bom futebol e que há anos não ganha um título decente, negligenciar a formação de novos torcedores revela uma robusta soberba. E todos nós sabemos ao que a soberba leva.
P.S. Ao comprar pela internet (para as arquibancadas é a única forma, lembremos) o torcedor arca com uma taxa de serviço de 10% do valor do ingresso.
P.S. 2. A frase marqueteira da empresa Total Acesso é "Você sem limites". Deveria haver um complemento: "Mas os ingressos são limitados".
*Rodrigo Haidar é jornalista.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/