Bebeto jamais morreria de velhice
POR ALBERTO PECEGUEIRO*
Fui atleta de uma das primeiras equipes que Bebeto de Freitas treinou. Ele tinha se formado pela Escola de Educação Física do Exército (se a memória não me trai) e tinha sido apontado pelo Botafogo para treinar a equipe infantil do clube.
Bebeto era, juntamente com Vitor Barcellos, o levantador do time da primeira divisão que já havia começado a escalada para chegar ao incrível feito de onze campeonatos cariocas consecutivos. O Rio dividia com São Paulo a hegemonia do vôlei brasileiro com seu melhores jogadores. Minas vinha na cola, principalmente graças a um fenômeno chamado Luiz Eymar. Isto para dizer que enfileirar onze títulos estava longe de ser tarefa trivial. Grandes jogos contra Fluminense, Flamengo, AABB e CIB lotavam os ginásios e enchiam os olhos.
Eu tinha começado como levantador no Flamengo e no dia que soube que meu ídolo queria me levar para jogar no Botafogo, como diz Lulu Santos, "experimentei uma sensação que até então não conhecia".
Começamos a formar um time que além de nomes como eu, que despontavam para o anonimato, tinha Badá e Granjeiro, que depois vieram a se destacar na seleção brasileira e nos times profissionais que vieram a nascer algum tempo depois.
Ao longo dos anos Bebeto foi se aprimorando como técnico e exercendo este papel, que se destaca ainda mais nos depoimentos após a sua morte, como desenvolvedor de grandes jogadores. Não posso dizer que foi meu melhor técnico. Muito difícil que o fosse. Era meu ídolo. Tinha um toque que os levantadores reconheciam como excepcional. Uma bola que saía fácil da sua māo, flutuava e chegava sempre no lugar e momento exato onde até um atleta baixo como eu conseguia atacar. Todo levantador é um atacante frustrado. Um dos meus momentos de êxtase era quando ele tomava meu lugar nos treinos e resolvia mostrar como queria que eu levantasse.
Como disse, e olhando retrospectivamente, é muito difícil ser treinado ou comandado por um ídolo. Não existe objetividade possível.
Discutíamos muito e, até onde sei, terei sido o único atleta deste esporte a ser expulso de quadra durante uma partida oficial pelo próprio técnico. Ainda assim, e tendo uma altura que não me permitiria nem ser aceito para testes no vôlei de hoje (assim como ele, aliás) subi para o juvenil e como tal, fui seu reserva em dois dos títulos que até hoje orgulham os alvinegros. Como dizia a antiga campanha do cartão de crédito, não há preço que pague uma experiência como essa.
Decidi parar de jogar depois de um jogo contra o Fluminense onde não conseguia acertar uma bola sequer. O técnico explosivo, com quem sempre discutia, foi de um apoio e compreensão inesquecíveis. Não gritou uma só vez. Não reclamou. Apenas me apoiou e tentou me ajudar a encontrar meu jogo que havia decidido não comparecer naquele dia.
Antes daquele dia já tinha decidido sair do vôlei competitivo. Mas ele não saiu de mim. Fiz e mantive grandes amigos, continuamos jogando na praia e nas peladas, e ao longo do tempo fomos nos deslumbrando com a carreira que o Bebeto construiu.
Nos cruzamos depois, por motivos profissionais, quando ele começou a lidar com o futebol. Um sabor muito especial a relação de certa forma invertida, ele chegando num negócio onde eu ja tinha mais quilometragem. Alem de vários outros encontros onde eu não conseguia deixar de vestir a roupa do fã que se compraz em ser tratado com carinho por seu ídolo. E ele, sentindo isso, sempre me tratava como se fosse o técnico daquele garoto la de trás. Como o fazia com todos os seus ex-atletas.
Não falo aqui do que do que foi o Bebeto para o vôlei porque nestes dias muito se falou e ainda se falará. Mas falo do personagem que sempre povoava nossas conversas entre seus ex-atletas que se encontravam e agora ainda mais. Nos divertimos muito ou com as histórias engraçadas ou com as passagens que mostram o quanto ele foi determinante para a carreira de cada um. Como enxergava o jogo. Zé Roberto e Bernardinho que o digam.
Sua morte mostra o quanto Bebeto foi grande. Não passou por esta vida sem ser notado. Esta semana li num texto uma frase dizendo que a vida é uma grande palco. Há sempre atores entrando e saindo. Bebeto foi passional, se entregou, brigou, discutiu, foi como o botafoguense roxo em tudo.
Mas não foi coadjuvante. Foi protagonista.
Não resisto a concluir que alguém tao intenso jamais morreria de velhice.
Bebeto foi grande.
*Alberto Pecegueiro é diretor da Glosat.
Sobre o Autor
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