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Blog do Juca Kfouri

Bebeto jamais morreria de velhice

Juca Kfouri

15/03/2018 19h00

POR ALBERTO PECEGUEIRO*

Fui atleta de uma das primeiras equipes que Bebeto de Freitas treinou. Ele tinha se formado pela Escola de Educação Física do Exército (se a memória não me trai) e tinha sido apontado pelo Botafogo para treinar a equipe infantil do clube.

Bebeto era, juntamente com Vitor Barcellos, o levantador do time da primeira divisão que já havia começado a escalada para chegar ao incrível feito de onze campeonatos cariocas consecutivos. O Rio dividia com São Paulo a hegemonia do vôlei brasileiro com seu melhores jogadores. Minas vinha na cola, principalmente graças a um fenômeno chamado Luiz Eymar. Isto para dizer que enfileirar onze títulos estava longe de ser tarefa trivial. Grandes jogos contra Fluminense, Flamengo, AABB e CIB lotavam os ginásios e enchiam os olhos.

Eu tinha começado como levantador no Flamengo e no dia que soube que meu ídolo queria me levar para jogar no Botafogo, como diz Lulu Santos, "experimentei uma sensação que até então não conhecia".

Começamos a formar um time que além de nomes como eu, que despontavam para o anonimato, tinha Badá e Granjeiro, que depois vieram a se destacar na seleção brasileira e nos times profissionais que vieram a nascer algum tempo depois.

Ao longo dos anos Bebeto foi se aprimorando como técnico e exercendo este papel, que se destaca ainda mais nos depoimentos após a sua morte, como desenvolvedor de grandes jogadores. Não posso dizer que foi meu melhor técnico. Muito difícil que o fosse. Era meu ídolo. Tinha um toque que os levantadores reconheciam como excepcional. Uma bola que saía fácil da sua māo, flutuava e chegava sempre no lugar e momento exato onde até um atleta baixo como eu conseguia atacar. Todo levantador é  um atacante frustrado. Um dos meus momentos de êxtase era quando ele tomava meu lugar nos treinos e resolvia mostrar como queria que eu levantasse.

Como disse, e olhando retrospectivamente, é muito difícil ser treinado ou comandado por um ídolo. Não existe objetividade possível.

Discutíamos muito e, até onde sei, terei sido o único atleta deste esporte a ser expulso de quadra durante uma partida oficial pelo próprio técnico. Ainda assim, e tendo uma altura que não me permitiria nem ser aceito para testes no vôlei de hoje (assim como ele, aliás) subi para o juvenil e como tal, fui seu reserva em dois dos títulos que até hoje orgulham os alvinegros. Como dizia a antiga campanha do cartão de crédito, não há preço que pague uma experiência como essa.

Decidi parar de jogar depois de um jogo contra o Fluminense onde não conseguia acertar uma bola sequer. O técnico explosivo, com quem sempre discutia, foi de um apoio e compreensão inesquecíveis. Não gritou uma só vez. Não reclamou. Apenas me apoiou e tentou me ajudar a encontrar meu jogo que havia decidido não comparecer naquele dia.

Antes daquele dia já tinha decidido sair do vôlei competitivo. Mas ele não saiu de mim. Fiz e mantive grandes amigos, continuamos jogando na praia e nas peladas, e ao longo do tempo fomos nos deslumbrando com a carreira que o Bebeto construiu.

Nos cruzamos depois, por motivos profissionais, quando ele começou a lidar com o futebol. Um sabor muito especial a relação de certa forma invertida, ele chegando num negócio onde eu ja tinha mais quilometragem. Alem de vários outros encontros onde eu não conseguia deixar de vestir a roupa do fã que se compraz em ser tratado com carinho por seu ídolo. E ele, sentindo isso, sempre me tratava como se fosse o técnico daquele garoto la de trás. Como o fazia com todos os seus ex-atletas.

Não falo aqui do que do que foi o Bebeto para o vôlei porque nestes dias muito se falou e ainda se falará. Mas falo do personagem que sempre povoava nossas conversas entre seus ex-atletas que se encontravam e agora ainda mais. Nos divertimos muito ou com as histórias engraçadas ou com as passagens que mostram o quanto ele foi determinante para a carreira de cada um. Como enxergava o jogo. Zé Roberto e Bernardinho que o digam.

Sua morte mostra o quanto Bebeto foi grande. Não passou por esta vida sem ser notado. Esta semana li num texto uma frase dizendo que a vida é uma grande palco. Há sempre atores entrando e saindo.  Bebeto foi passional, se entregou, brigou, discutiu, foi como o botafoguense roxo em tudo.

Mas não foi coadjuvante. Foi protagonista.

Não resisto a concluir que alguém tao intenso jamais morreria de velhice.

Bebeto foi grande.

*Alberto Pecegueiro é diretor da Glosat.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/