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Blog do Juca Kfouri

Atletico Nacional x Chapecoense: faz um mês

Juca Kfouri

29/12/2016 00h00

POR FÁBIO DE AMORIM*
Começou assim.

Girardot lotado e gritando verdemente pelo Nacional. Meia dúzia de brasileiros torcia humildemente. Apito. E pernas corriam, pés tabelavam, bola passeava feliz de pé em pé, coxa, peito, cabeça. Danilo sorriu ao ver a bola piscar para o travessão aos três minutos de jogo. Não havia tempo para jogo brusco. Nem faltas pesadas ou violência gratuita (muito menos aquela à prazo). Só havia tempo para a bola e seus voos sem asa, seus pombos-mensageiros. Danilo fez três defesas milagrosas em dez minutos. Borja, duas vezes: uma de cabeça, no canto baixo (Danilo tirou com a unha que ele esqueceu de cortar no dia anterior), outra num chute de fora da área que tinha endereço no famoso ninho da coruja, agradecida ao goleiro da Chape por não perder sua casa. O terceiro lance foi de coragem. Danilo saiu impetuosamente pra tirar a bola dos pés de Berrío, depois de uma enfiada magistral de Torres. O meia colombiano ainda bateu uma falta aos 30 minutos que abraçou a trave esquerda, depois de resvalar na perna do zagueiro Marcelo. Caio Júnior estava preocupado. O time tinha de avançar as linhas. Então mandou Cléber Santana puxar o coro. Aí, aos 32, Gimenez avançou em contra-ataque. Lançou Tiaguinho, que não alcançou a bola e enganou, mas enganou sem querer, o zagueiro Bocanegra. Na sequência, Bruno Rangel apareceu sozinho e chutou pro gol. Inapelável. 1×0 Chapecoense. A meia dúzia de brasileiros foi ouvida. O jogo ficou mais intenso, mais honesto e bonito. Cinco finalizações certas do Atlético Nacional. Duas da Chape. Respirar era para os fracos. Via-se o Deva, da cabine de imprensa, sorrir sem parar. Mário Sérgio comentava a loucura ofensiva dos dois times, Victorino contava, ali do gramado, que os treinadores pararam de dar orientações e apenas curtiam, à Klopp, o jogo.

Os dois goleiros impediam mais gols. O Nacional era mais forte e perigoso. A Chape era guerreira e veloz. No último minuto, a sorte. Ou falta dela. Alan escorregou na parte do gramado que estava mais úmida por causa da chuva de horas antes. Torres se aproveitou e passou. Invadiu a área e tocou por cima de Danilo. 1×1. Intervalo.

Segundo tempo. Biteco fazia partida monumental e tinha roubado a milésima bola. Sérgio Manoel, tático e técnico, olhava para frente. Santana lançava Tiaguinho, que virava para o Gimenez. O lateral cruzou, Bocanegra cortou mais uma. Na sobra, Tiaguinho lembrou que seria pai e seus pés sorriram de emoção. O chute saiu curvo, bateu no travessão, desalojou a coruja verde colombiana: 1×2 Chape. Durante os 25 minutos restantes os torcedores (que não paravam de animar) viram entrega, lances incríveis, linhas avançadas, transições, inversões de jogo, trocas de posições, defesas, chutes errados, perdas de bola na defesa. Viram futebol. Viram arte. Vida em ação. Aos 38, Borja recebeu de Uribe. Devolveu para Torres. O meia olhou pra um lado e tocou no outro de novo para Borja. 2×2 Atlético Nacional. O jogo seguiu efervecente até o final. Danilo ainda viu a trave paquerar a bola mais duas vezes. Em outro lance, aos 48, ele salvou sem querer, numa cabeçada de Ibargüen, que tinha entrado 10 minutos antes. Fim de jogo. 2×2.

A volta, no Paraná, seguiu o mesmo roteiro dramático, mas com menos bola e mais tensão. 1×1. Gols de Arias e Tiaguinho. Um em cada tempo. A decisão foi para os pênaltis. As quatro primeiras cobranças foram perfeitas dos dois lados. Na última, Alan bateu e perdeu. Bonilla acertou o canto. Alan chorou. A torcida gritou o nome dele. Danilo gritou do outro lado:

– Eu vou pegar, Alan, eu vou pegar, irmão!

Borja, decisivo, ajeitou a cobrança. Silêncio no estádio. Danilo fechou os olhos e respirou profundamente. Abriu os olhos e viu Borja correr pro chute. O atacante colombiano chutou e… Danilo ia para o canto direito. A bola foi pro meio. Danilo conseguiu levantar a perna e tocar na bola, que bateu no travessão e não entrou. Êxtase. Nesse instante, no entanto, quando todos estavam felizes ou incrédulos, quando tudo era sorrisos, a luz apagou. O estádio ficou no breu. Segundos depois, as luzes voltaram. Os jogadores da Chapecoense se abraçaram em tom de despedida. Neto olhou para Gil e lhe deu um abraço. Ananias se despediu de Alan. Follmann e Danilo caminharam juntos, com o primeiro chorando. As milhares de pessoas no estádio aplaudiam e cantavam o nome de todos. A torcida colombiana aplaudiu também e chorava junto. Alan, Follmann e Neto ficaram, ao lado do jornalista Henzel. Eles viram seus companheiros de bola e de imprensa indo em direção ao vestiário, que tinha uma luz incomum, verde-claro. Os jornalistas esperavam o time ali, microfones prontos para as entrevistas que ninguém ouviria. Todos foram embora pegar um voo. Eles precisavam ir. O jogo terminou. Todos os jogadores do Atlético Nacional aplaudiam os rivais que foram e os que ficaram. A luz do vestiário apagou após a passagem do último jogador: Danilo, que olhou para a torcida, para os três companheiros que ficaram e disse:

– Agarrei nosso sonho, Alan, eu te falei. Defendi. E agora? Não sei. Ninguém sabe.

E esta foi a epopeia da Chapecoense.

*Fábio de Amorim é jornalista.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

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