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Blog do Juca Kfouri

Presidente do Corinthians se omitiu depois de alertado sobre os problemas em Itaquera

Juca Kfouri

11/10/2016 13h09

O arquiteto da Arena Corinthians, Anibal Coutinho, há mais de um ano advertiu o presidente do clube, Roberto de Andrade, para os prejuízos em curso devido ao não cumprimento do contrato pela construtora Odebrecht. (Leia abaixo a carta obtida pelo blog).

Dois parágrafos da missiva, que jamais foi respondida, revelam a gravidade do problema:

"Estes prejuízos atingiram principalmente as propriedades de direitos de nomeação, desde o nome do estádio, das áreas VIP, dos camarotes de festas, etc., as quais, progressivamente têm menos valor, tal o desgaste provocado pelo excessivo tempo de obra, especulações de prazo, valores e serviços, gerando um aspecto geral de obra permanente, inacabada e com nenhum horizonte de término.

Como um importante exemplo dos prejuízos diretos, observe-se o aspecto geral do prédio oeste, principalmente, que, sem que tenha sido implementada a grande parte de sua programação visual, sua iluminação externa, passeios, áreas de ativação de patrocinadores internas e externas, deixa o mais importante setor do estádio com um aspecto hospitalar, asséptico, sem clima de jogo, dificultando todas as propriedades a comercializar e as ações de marketing a realizar".

 

A empreiteira queria assumir a gestão da arena e, por isso, não aliviava a situação para o clube.

Depois que se deu mal no Maracanã, e desistiu de administrar estádios de futebol, a atitude da Odebrecht ficou ainda pior, desinteressada em finalizar a obra em Itaquera e em pagar para quem devia, como o arquiteto Coutinho.

Coutinho só conseguiu receber quando aceitou repassar o pagamento como empréstimo ao Corinthians porque, daí, quem cobrou a Odebrecht foi o clube, não ele.

Apesar de se comprometer a saldar o empréstimo em seguida, o clube não cumpriu o compromisso.

O que poderia ser apenas mais uma história de gangsterismo da empreiteira abala seriamente não só a vida de um profissional que agora cobra do Corinthians cerca de 11 milhões de reais na Justiça, como põe em risco o próprio clube, patrimônio cultural de milhões de torcedores.

Ao lado da incapacidade de gerir uma arena do porte da de Itaquera, que não se confunde com uma banca de feira no CEASA, o episódio revela a irresponsabilidade de Andrés Sanchez durante todos esses anos e a cumplicidade, pelo menos por omissão, de Roberto Andrade.

Fica óbvio que a Lava Jato pôs por terra a ideia de Sanchez, embriagado pelo que imaginou ser um presente do ex-presidente Lula e Emílio Odebrecht, de que não teria de pagar o estádio.

Eis a carta:
São Paulo, 14 de agosto de 2015.

Ao
Sport Club Corinthians Paulista
Att.: Sr. Presidente Roberto Andrade

Nesta

Caro Senhor Presidente,

Como parte de nossas obrigações contratuais, encaminhamos relatório de acompanhamento da obra do estádio "Arena Corinthians", referente ao mês de Julho de 2015. Em função da gravidade e relevância do observado, estamos enviando este relatório de maneira diversa das anteriores, em função da situação de iminente saída da obra por parte da construtora, conforme fartamente veiculado na mídia, sob a alcunha de "término da obra".

Abaixo, relatamos de forma concisa a situação corrente.

1) Em 6/02/15 – já sem conseguir realizar em sua plenitude o correto acompanhamento da construção, visto que a construtora já havia esgotado o prazo estabelecido em contrato – a CDC solicitou à Odebrecht o envio de novo cronograma e listagem de serviços para execução dos itens constantes do Anexo I, do Quinto Aditivo ao Contrato de Engenharia, Fornecimento e Construção, celebrado entre o Sport Club Corinthians Paulista e a Construtora Norberto Odebrecht.

Nunca obtivemos sequer resposta à correspondência, apesar de várias vezes reiterada a solicitação, inclusive via Corinthians.

2) O novo cronograma e listagem de serviços só veio a ser efetivamente enviado ao Corinthians em 23 de Março de 2015, e não contemplava uma quantidade considerável de itens constantes do Anexo I acima citado, donde somente se pode concluir que jamais houve intenção por parte da construtora de executá-los.

3) O cronograma original previa a execução total de todos os itens até o mês de Dezembro de 2014. Como era de natureza físico-financeira, também, da mesma forma, indicava o fluxo de recursos a se empregar mensalmente.

4) Como, para modificá-lo, de acordo com o Contrato, havia a necessidade de um conjunto de procedimentos a serem seguidos e a construtora não os fez, tais alterações foram executadas à revelia do Corinthians, não tendo a sua autorização para as postergações, cortes ou alterações.

5) Tais alterações atingiram cirurgicamente TODOS os centros de geração de receitas do estádio, não permitindo à operação e à comercialização meios de implementar qualquer pacote comercial, visto que grande parte dos seus itens não se encontram completos até a presente data.

6) Estes prejuízos atingiram principalmente as propriedades de direitos de nomeação, desde o nome do estádio, das áreas VIP, dos camarotes de festas, etc., as quais, progressivamente têm menos valor, tal o desgaste provocado pelo excessivo tempo de obra, especulações de prazo, valores e serviços, gerando um aspecto geral de obra permanente, inacabada e com nenhum horizonte de término.

7) Como um importante exemplo dos prejuízos diretos, observe-se o aspecto geral do prédio oeste, principalmente, que, sem que tenha sido implementada a grande parte de sua programação visual, sua iluminação externa, passeios, áreas de ativação de patrocinadores internas e externas, deixa o mais importante setor do estádio com um aspecto hospitalar, asséptico, sem clima de jogo, dificultando todas as propriedades a comercializar e as ações de marketing a realizar.

8) Para agravar a situação, a implementação das obras segue um roteiro caótico e randômico, onde nenhuma frente ou conjunto são terminados por completo, sem seguir ou sequer acertar uma estratégia comercial com a operação, acentuando o aspecto de obra sem-fim e acelerando o desgaste de imagem.

9) Se fossemos seguir um plano de destruição da imagem do estádio, de impossibilidade de concluir o empacotamento das propriedades, sejam elas quais forem, não poderia ter sido feito de forma mais contundente e bem executada.

10) Como efeitos complementares deste atraso, as verbas sujeitas a teto máximo mantêm o mesmo valor, muitas delas ficaram sujeitas a variação cambial ou acréscimo dos impostos, pois deveriam ter sido compradas pré-Copa, forçando a enorme perda na qualidade e/ou quantidade,

visto que a verba é fixa, mas o serviço ou produto a adquirir segue variando, seja pela inflação, câmbio ou os impostos acima referidos, destacando-se que ao cliente não podem ser imputadas estas responsabilidades.

11) Não é preciso fazer um grande esforço para calcular mais de um ano de prejuízo na comercialização de propriedades, sejam camarotes, cadeiras, camarotes de festas, áreas VIPS, eventos, tais como casamentos, reuniões corporativas, festas, treinamentos empresariais, feiras, receitas de estacionamento, alimentação, tours pelo estádio, etc. Como executar uma operação ou comercialização em meio a um canteiro de obras, sem previsão de término? Em meio a quedas de energia, elevadores parados, ou dedicados a transporte de carga, com o estádio frequentemente sem tempo hábil para uma limpeza adequada, sem poder executar uma estratégia de fluxo, pois nunca se sabe o que vai estar interditado, por exemplo, dentre muitos outros.

12) Este atraso, longe de ser uma situação normal, é profundamente irregular do ponto de vista contratual, um prejuízo ao cliente e um desrespeito a todos os envolvidos – SCCP, Fundo, Caixa Econômica, Operador, prestadores de serviços, concessionários internos, opinião pública e, principalmente, aos torcedores e frequentadores do estádio.

13) Com a divulgação de solicitação de extensão de prazo de carência para pagamento, veiculada com frequência pela imprensa, causada diretamente pelos efeitos dos atrasos relatados acima, somar-se-á aos prejuízos já brutalmente causados, a adição dos juros de mais este período, sem que o Corinthians tenha nenhuma responsabilidade sobre este montante.

14) Desta maneira, dentro de nossas responsabilidades, delegadas pelo Corinthians, de acompanhamento da execução da obra, solicitamos a imediata apuração das responsabilidades pelos fatos acima descritos, sob pena de omissão absoluta diante deste quadro de tal descalabro e desrespeito ao contrato de Construção – EPCpage3image15672

15) Acompanham, em anexo:

a) Quadro Comparativo entre Cronograma com serviços contratados e Cronograma recebido da CNO em 23/03/15

b) Cronograma recebido da CNO em 23/03/15

c) Cronograma Físico-Financeiro constante do Quinto Aditivo

Contratual

d) Relatório de acompanhamento e status de obra, pormenorizado e detalhado, com fotografias

Recomendamos, ainda, que, em virtude do aqui constatado, além deste relatório que enfoca apenas as questões arquitetônicas e as a ela afetas, verifique-se e audite-se as demais disciplinas de projetos complementares e a execução destes, tais como, mas não se limitando a, instalações elétricas e hidráulicas, instalações de ar condicionado e exaustão, tecnologia da informação, estruturas de concreto e metálica, etc.

É o que nos cabe até o momento, visando a orientação do nosso cliente Sport Club Corinthians Paulista, para que se tenha os elementos iniciais na busca de se evitar prejuízos maiores, assim como, possíveis ressarcimentos de perdas e gastos adicionais, já causados a este, além da verificação efetiva e comparativa do contratado em relação ao executado/entregue pela construtora e seus aspectos econômicos em favor do Clube.

Atenciosamente,

Anibal Coutinho


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/