O juiz ladrão
Do Blog do Almeida, o Sobrenatural
Nos anos cinquenta do século passado, quando o futebol – na verdade, o Brasil – estava se modernizando, o escritor Nelson Rodrigues reclamava da perda de aspectos românticos e virtuosos que o passado abrigava.
Lamentava, por exemplo, o desaparecimento do "juiz ladrão".
Ele afirmava que, décadas antes, "os gatunos constituíam uma briosa fauna, uma luxuriante flora".
Como exemplo, contava a história de "um juiz que era um canalha em estado de pureza, de graça, de autenticidade" e que fora procurado com propostas de suborno. O que fez o juiz?
"Ora, o canalha é sempre um cordial, um ameno, um amorável. E o homem optou pela solução mais equânime: — levou bola dos dois lados. Justiça se lhe faça: — roubou da maneira mais desenfreada e imparcial os dois quadros."
E concluía, com suspiros de grande saudosismo:
"Outrora havia o 'juiz ladrão'. E hoje? Hoje, os juízes são de uma chata, monótona e alvar honestidade. (…) E é pena. Porque seu desaparecimento é um desfalque lírico, um desfalque dramático (…)."
Em 2016, porém, o quadro é diferente.
Nós, brasileiros, hoje (talvez porque agora o futebol – o Brasil, na verdade –, ao contrário dos anos cinquenta, esteja regredindo), podemos dar essa alegria póstuma ao Nelson.
Podemos, com fé e convicção, enviar-lhe uma mensagem de conforto: "Nelson, onde você estiver, fique sabendo que o Brasil, enfim, tem de novo o juiz ladrão que você tanto pedia!".
Só não sei se devemos acrescentar que o atual rouba só para um lado.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/