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Blog do Juca Kfouri

Pela sociedade anônima futebolística

Juca Kfouri

21/01/2016 15h18

POR RODRIGO R. MONTEIRO DE CASTRO*

A criação de uma forma societária especial para recepcionar ativos utilizados na atividade profissional do futebol e para desenvolver esta atividade não resolve, por si, o problema.

Empresas, passam por crise, pedem recuperação judicial, estão sujeitas a procedimentos falimentares; elas, também, têm problemas de governança, falta de transparência, administração inadequada.

Em minha vida profissional vejo muita empresa sendo utilizada apenas para evitar a responsabilização de sócios ou administradores inconsequentes – e, não raro, desonestos.

Aliás, as estatísticas recentes revelam: o número de pedidos de recuperação e falência de empresas não para de aumentar. O ambiente econômico, portanto, reflete e afeta a atividade empresarial. Não seria diferente com o futebol.

Se o Governo simplesmente criar uma forma societária, a solução será, na melhor das hipóteses, formal.

E o resultado será: ineficácia da norma ou a partida para um ambiente hostil e de incertezas. A tendência é de que, em qualquer caso, não funcione.

Concordo que a criação de uma forma societária nova, para aproximar o futebol do mercado, de investidores, é necessária.

Mas de quais investidores? De qualquer um? Não.

Atrair pessoas com reputação duvidosa, envolvidas em negócios escusos, investidores que pretendem um lucro imediato, sem qualquer contrapartida estrutural ao futebol,, não resolverá nada. Talvez piorará.

Afinal, pelo modelo atual, é quase impossível que uma pessoa se aproprie de ativos da associação civil sem fins lucrativos, ou seja, do clube.

Esse cenário se modifica se o ambiente também for reformado.

Aliás, é isso: não adianta comprar um carro na expectativa de que, um dia, se construirá uma estrada para nela trafegar. O carro, entretanto, não terá qualquer utilidade. E talvez se torne imprestável, por ocasião futura e remota, da construção da estrada.

O Governo não precisa fazer muito para criar esse mercado.

Quase todos os estímulos podem ser dados com instrumentos já existentes.

Bastam alguns ajustes, como a criação da Comissão composta por agentes do Governo e da sociedade civil, inclusive formadores de mercado, para estabelecer as diretrizes nacionais de formação do mercado do futebol, estímulo para que a CVM, o regulador do mercado, baixe uma instrução regulando o investimento no futebol (ou seja, neste caso, não depende de norma Congressual), e o governo regule, corretamente, do ponto de vista societário e tributário, a sociedade anônima do futebol.

Outras medidas podem – e devem – ser tomadas, mas essas já seriam suficientes para criação do ambiente.

O maior movimento seria, sim, a criação do tipo societário especial do futebol.

Que deve ser uma sociedade anônima futebolística, com regras próprias, a fim de diminuir a distância entre a gestão amadora clubista e o mercado, mas que, de modo complementar, se sujeite às regras da sociedade anônima.

Por fim, se o propósito for, além da criação da forma societária, apenas a instituição de um modelo tributário favorecido, o país estará premiando a incompetência e, em alguns casos, a desonestidade. E essa conjunção será ainda mais apropriada para que dirigentes mal intencionados apropriem-se dos bens e dos ativos do futebol.

O modelo tributário deve estar compassado com a realidade criativa do mercado que se pretende forma e, se nele se incluir benefícios, que sejam transitórios ou atrelados a contrapartidas. Materiais, e não apenas formais.

Por isso, a forma societária empresarial, ou melhor, a sociedade anônima futebolística, não deveria ser vista como a solução, mas o instrumento de realização de um projeto maior, de estruturação do mercado e, como consequência, do esporte.

Se o debate se concentrar nela, temo que a solução não leve a lugar algum. E o futebol continue a ser tratado como subproduto, cultural e econômico. E manejado por pessoas que conduziram os clubes ao estado em que se encontram.

O que seria – e é – um absurdo.

*Rodrigo R. Monteiro de Castro é advogado e especialista e mestre em direito comercial pela PUC/SP,MBA em administração de empresa pelo INSPER.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/