O ônibus de Mourinho
POR PAULO CALÇADE*
O futebol é fascinante porque não existe caminho certo ou caminho errado. Existem várias formas de vencer. Na semana passada, em Madri, as duas primeiras partidas semifinais da Liga dos Campeões acenderam novamente o debate sobre estilo de jogo.
Fazemos escolhas o tempo todo, assim como treinadores e jogadores. E, como eles, não temos garantia de nada, pois ainda existe a possibilidade de o acaso entrar em cena e mudar o rumo das coisas.
O empate sem gols entre Atlético e Chelsea mostrou equipes geneticamente parecidas. Os espanhóis, donos da melhor defesa de seu campeonato, buscaram incessantemente o gol, mas foram impedidos por um bloqueio sólido, glacial, afinado com a concepção de futebol de José Mourinho.
A imprensa europeia define esse tipo de atuação defensiva como o ônibus estacionado na pequena área. Se o jogo desta quarta mandar os ingleses para a final, não será a primeira decisão do ônibus dirigido pelo treinador português.
Havia outra maneira de se jogar fora de casa? O futebol do Chelsea poderia ter sido esteticamente melhor? Para as duas perguntas, a resposta é sim. Na cabeça de Mou, entretanto, o resultado justifica os meios. Seu talento para armar equipes de acordo com a necessidade das partidas é gigantesco. Ontem, venceu o Liverpool por 2 a 0, fora de casa, em mais uma aula de tática e de estratégia.
A definição do futebol é cultural. Cada um enxerga de um jeito, de acordo com o seu ambiente. Mourinho não se preocupa com a estética, pensa somente em vencer. Atingiu sua meta dentro dos limites do jogo, do risco e da beleza, ou da falta dela.
Nesse caso, é preciso fazer outra pergunta: como reagiu o Atlético para se livrar do ônibus inglês?
Não soube reagir, caiu na armadilha. O Chelsea neutralizou a virtude do rival e o fez insistir em algo que dificilmente o levaria à vitória. Os espanhóis viram o ônibus estacionado e chutaram bolas sobre ele o tempo todo, na esperança de Diego Costa resolver.
Mourinho poderia jogar ofensivamente e, quem sabe, correr o risco de facilitar a vida do Atlético. Ou dificultar o caminho do time espanhol rumo ao gol. Preferiu não colaborar, veio com o ônibus para o gramado. Toda escolha impõe uma boa dose de risco.
Na outra semifinal, a polêmica também é muito boa. O Real Madrid venceu o Bayern de Munique com um gol marcado por Benzema, fruto de um contra-ataque. Até aí nenhum problema, se não tivesse sido essa a única maneira do time espanhol chegar ao ataque, e em casa.
Um duro golpe na concepção estética da instituição, que tem no banco de reservas, como auxiliar de Carlo Ancelotti, o seu modelo de jogador e de equipe: Zinedine Zidane. As características do time, porém, dificultam um modelo diferente do jogo vertical e veloz.
Mas para Florentino Perez, que já gastou uma fortuna em contratações sentado na cadeira de presidente, é pouco. O Real Madrid quer ser a referência do futebol. Falou em futebol em qualquer lugar do planeta, pensou no time merengue.
Curiosamente, o Bayern, transformado por Guardiola em uma equipe de posse de bola (64% na semi), tem dificuldade para assimilar seus novos valores. Tanto que alguns de seus cartolas sonham com o retorno do modelo antigo, mais simples e direto. E vencedor.
Por tudo isso, a missão de amanhã, em Munique, não será nada fácil. A mudança de estilo fragilizou a defesa nos contra-ataques, a arma que o Madrid possui mas não deseja. São as benditas escolhas.
Infelizmente, às vezes a gente percebe tarde demais que está no comando das ações, que basta decidir e assumir o resultado. Um clube se equivoca ao gastar dinheiro, o outro não gosta do estilo. Enquanto isso, Mourinho pilota seu ônibus.
*Publicado hoje, no "Estado de S.Paulo".
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