Com você, os elefantes brancos de Portugal
Para sediar a Eurocopa, em 2004, Portugal cometeu insanidades iguais às que estamos cometendo por aqui.
O jornalista HUGO DANIEL SOUZA, do jornal PÚBLICO, de Lisboa, contou esta história em fevereiro de 2010.
Com exceção do União de Leiria, que deixou de ter futebol profissional, as informações são basicamente as mesmas.
Câmaras gastam 20 milhões de euros por ano nos estádios municipais do Europeu 2004
Recinto de Leiria está à venda. Aveiro recusa demolir, mas admite vender, tal como Algarve. Braga é quem mais gasta.
Antigamente, na Índia e na Tailândia, o elefante branco era um animal sagrado que não podia ser usado em trabalho. Quando o rei oferecia um destes animais a um cortesão, este tinha de o alimentar, mas não retirava daí nenhum proveito, ou seja, possuía algo muito valioso, mas que só lhe dava despesas, conduzindo-o, muitas vezes, à ruína. É esta a origem da expressão "elefante branco", tantas vezes aplicada aos estádios construídos para o Europeu de futebol de 2004.
O PÚBLICO visitou no último mês os cinco estádios públicos construídos para o Europeu e os autarcas, mesmo sem falarem em "elefantes brancos", olham para essas obras como uma fonte de problemas financeiros. Os números, aliás, não deixam dúvidas. Braga paga seis milhões de euros por ano à banca, Leiria paga cinco milhões anuais só em amortizações e juros, Aveiro despende quatro milhões no pagamento de empréstimos e na manutenção, enquanto Faro e Loulé gastam, em conjunto, 3,1 milhões por ano em empréstimos e manutenção. Coimbra é que menos paga e mesmo assim, este ano, vai transferir para a banca 1,8 milhões de euros. Somando estes valores (e em alguns casos a manutenção não está contabilizada), as seis câmaras que construíram os recintos para o Euro 2004 gastam anualmente 19,9 milhões de euros, ou 54.520 euros por dia, montante que terá tendência para aumentar com a subida das taxas de juro.
E se somarmos o que as câmaras de Porto e Guimarães pagam aos bancos pelos apoios que deram aos clubes locais nas obras dos estádios e acessos, a factura anual das autarquias com os empréstimos e manutenção de estádios do Europeu eleva-se para 26,1 milhões de euros. A autarquia portuense pagou 3,6 milhões de euros em 2009, tendo ainda pela frente 44,5 milhões até 2024. Em Guimarães, a câmara gastou 2,5 milhões de euros no ano passado. Já a Câmara de Lisboa afirma que não contraiu empréstimos por causa do Euro.
Na ronda pelos cinco estádios municipais, algo ficou à vista. Não há, ou pelo menos não houve até agora, soluções para rentabilizar os recintos, de forma a cobrir as despesas que a sua construção gerou. Todas as autarquias têm um pesado fardo anual e nenhuma encontrou "a galinha dos ovos de ouro". Umas invejam o Algarve, porque recebe o Rali de Portugal. Outras Coimbra, porque tem lojas na estrutura do estádio. Outras Braga, porque vendeu o nome do estádio a uma seguradora. E se umas (como Leiria) lamentam que o recinto tenha sido construído no centro da cidade, sem espaço para edificar mais equipamentos desportivos à volta, outras (como Braga e Aveiro) deparam-se com críticas da população, porque os estádios estão fora da cidade. E outras ainda (Algarve) lamentam não ter uma equipa da I Liga a utilizar o recinto.
Contra a demolição
Nas seis cidades envolvidas, Carlos Encarnação, presidente da Câmara Municipal de Coimbra, é o único autarca assumidamente contra a construção do estádio. "Nenhum país decente constrói dez estádios para um Europeu", critica aquele autarca do PSD. Outros, como o líder das câmaras de Leiria ou a oposição de Braga, só questionam que os montantes investidos tenham sido demasiado elevados para os benefícios que geraram. E em Faro lastima-se que não tenha havido mais apoios regionais e que o recinto não esteja associado a áreas comerciais, que poderiam aumentar a sustentabilidade financeira.
"Muitas cidades que queriam o Euro agora dão graças por não ter um estádio", desabafa Raul Castro, presidente da Câmara Municipal de Leiria. "Estes estádios foram pensados para uma realidade que não é a portuguesa. O Estádio de Aveiro leva metade dos [60.000] eleitores da cidade. Está sobredimensionado", acrescenta Pedro Ferreira, presidente da empresa que gere o recinto aveirense, ao que Alberto Souto, antigo presidente da Câmara de Aveiro, contrapõe que 30.000 lugares era a lotação mínima para receber jogos de Europeu.
Com o Europeu de futebol de 2004, o Estado português gastou, pelo menos, 1035 milhões de euros, o equivalente ao custo da Ponte Vasco da Gama. Apurado por uma auditoria do Tribunal de Contas, realizada em 2005, este valor inclui, por exemplo, os encargos com os estádios (384 milhões), acessibilidades (228 milhões), bem como os apoios indirectos das câmaras do Porto (152 milhões) e de Lisboa (59 milhões).
Nas últimas semanas, os gastos anuais com os pagamentos de empréstimos e os custos de manutenção dos estádios têm gerado discussão um pouco por todo o país. O economista Augusto Mateus, que foi ministro da Economia entre Março de 1996 e Novembro de 1997, sugeriu uma solução radical: demolir.
Mas a demolição é algo que os autarcas envolvidos colocam de parte. "Não faz sentido implodir obra desta envergadura", afirma Raul Castro, autarca de Leiria, que tem o estádio à venda. Em Aveiro, também se encara a venda como uma boa saída (caso não houvesse contestação da população) e o Algarve também está disposto a estudar o assunto, caso surjam interessados. A venda poderá implicar a devolução dos apoios comunitários, mas todos sublinham que isso "não será um obstáculo", porque as autarquias assumiram grande parte dos custos.
Na rentabilização dos estádios, as câmaras têm-se defrontado com um problema: a especificidade destes equipamentos, que servem praticamente só para jogos de futebol (à excepção de Coimbra e Leiria, que têm pista de atletismo). Uma característica que merece críticas de Augusto Mateus, que recorda, por exemplo, uma visita à sede mundial da Chrysler, onde pôde ver um edifício capaz de ser transformado num centro comercial.
Fuga ao Mundial 2018
Na "batalha" para rentabilizar os estádios há mais um dado em equação: a candidatura luso-espanhola à organização do Mundial de futebol de 2018/2022. Só que se levanta mais um problema. Já não se trata de saber se compensa construir estádios – embora ex-autarcas como Isabel Damasceno (Leiria) e Alberto Souto (Aveiro) não se mostrem arrependidos da opção no Euro 2004 –, mas de saber se vale a pena gastar mais para adequar os estádios à exigência mínima de 40.000 lugares, algo que só os recintos do FC Porto, Benfica e Sporting cumprem.
Desta vez, porém, há uma resposta clara dos autarcas. À excepção de Braga, cuja opinião não foi possível obter, os outros recusam investir mais. "Só me faltava mais isso. Tenho outras coisas em que gastar o dinheiro. Seria uma estupidez completa entrar numa candidatura ao Mundial 2018", resume Carlos Encarnação.
Braga: Obra de arte que custa seis milhões por ano
A Câmara de Braga é a mais endividada por causa do Euro 2004: contraiu empréstimos de 89,8 milhões de euros, estando
previsto que este ano pague à banca seis milhões de euros. Algo que representa cerca de seis por cento do orçamento da autarquia,
que, além de pagar os empréstimos bancários, assume ainda uma
parte da manutenção, cabendo o pagamento de despesas correntes ao Sporting de Braga.
Nos últimos meses, colocou-se em cima da mesa a hipótese de o recinto entrar na candidatura de Portugal e Espanha ao Mundial 2018/2022.
A câmara mostrou-se inicialmente interessada, mas entretanto soube-se que um estádio para receber o Mundial tem de ter no mínimo 40 mil lugares. A ampliação do estádio bracarense, estimada por Souto Moura, custa "15 milhões de euros", avança Ricardo Rio, vereador da oposição (PSD), citando uma resposta do presidente Mesquita Machado em reunião de câmara.
Este vereador é totalmente contra a entrada na candidatura. Já a opinião do presidente da câmara não é conhecida. O Estádio de Braga foi o único em que o Cidades ficou à porta, porque o presidente da câmara local não se disponibilizou a falar, apesar de inicialmente o assessor de imprensa ter acedido a um encontro. Depois, ignorou as dezenas de telefonemas do PÚBLICO e nem mesmo por e-mail foi possível obter respostas da
parte de Mesquita Machado sobre o Mundial 2018 e o investimento feito.
E, se é certo que a obra de Souto Moura é um marco na cidade –recebeu vários prémios e aguarda
a classificação como monumento nacional –, sobram dúvidas sobre se este investimento, que atinge os 139,8 milhões de euros,
incluindo acessibilidades, trouxe retorno. "Apesar da mediatização e promoção em alguns círculosmais específicos, o retorno face ao
investimento não é manifestamente suficiente. Haveria melhores forma de reforçar essa promoção", responde Ricardo Rio.
Este autarca não se opôs à participação de Braga no Euro, mas defende que "nada justifica um investimento tão desmesurado e
descontrolado". O vereador do PSD critica ainda o facto de este estádio não ter outras funções além do futebol, nem zonas comerciais.
A gestão é assegurada em conjunto pela câmara e pelo Sp. Braga. O clube é responsável por despesas como água, electricidade
e gás, mas a autarquia assume a manutenção e conservação do recinto, incluindo da relva. A título simbólico, o clube paga 500 euros mensais. Braga foi, até agora, a única autarquia a encontrar uma receita importante com o estádio.
Assinou um contrato com a seguradora Axa para a cedência do nome do recinto, recebendo 4,5 milhões de euros por três anos. A
receita, no entanto, reverte para o clube e não para a autarquia.
Outro aspecto curioso é o descontentamento da população com a localização (fora do centro) e a funcionalidade do estádio. "É frio,
há poucos elevadores e as bancadas são inclinadas", queixa-se Miguel Araújo, um empresário que assistia a um treino do Braga, quando o PÚBLICO passou pela cidade. H.D.S.
Estádio
Municipal
de Braga
Encargo diário
para a câmara:
16.438 euros
Aveiro: Antes vender o nome do que demolir
Fora do principal circuito
desportivo (o Beira-Mar está na
Liga de Honra), o Estádio de Aveiro
tem estado no primeiro plano da
polémica dos recintos do Euro. Tudo
começou em Outubro passado,
quando o então líder do PSD
local sugeriu que a demolição do
recinto deveria ser uma hipótese a
considerar. O debate parece agora
encerrado. "A nossa ideia não é
demolir o estádio", revelou Pedro
Ferreira, vereador e presidente
do conselho de administração da
EMA (Estádio Municipal de Aveiro),
empresa municipal que gere o
recinto.
"O nosso plano é estancar os
custos. Não há respostas e a
conjuntura económica é difícil. Há
várias fontes de receitas potenciais,
mas falta-nos tempo de experiência
para saber se são concretizáveis",
acrescenta Ana Nunes, vereadora
responsável pelas finanças no
executivo da coligação PSD-CDS.
A câmara contraiu empréstimos
de 58 milhões de euros, pagando
anualmente 3,4 milhões de euros à
banca, ao que se somam ainda 650
mil euros em custos de manutenção.
Estes quatro milhões de euros
representam três por cento do
orçamento da autarquia. "Não estou
arrependido. É fácil olhar para trás
e dizer que foi errado. Tomámos a
decisão com dados de 2000. Fazia
sentido, foi unânime entre as forças
políticas e não se imaginavam estes
anos de recessão", justifica Alberto
Souto, ex-presidente da câmara,
lembrando que quando se lançou
na candidatura esta deveria ter seis
estádios e não dez – o que acabou
por reduzir os apoios a cada obra.
Posta de lado a hipótese de
demolir o recinto e à falta de
interessados na compra ou na
concessão (algo que a autarquia
veria com bons olhos), o futuro em
Aveiro passa por esperar que o
Beira-Mar suba de divisão (lidera a
Liga de Honra), de forma a ter uma
utilização desportiva mais intensa
do recinto e também a dividir a
gestão do estádio com a autarquia.
Por outro lado, a câmara tenta
encontrar formas de rentabilizar o
recinto. Uma delas pode ser a venda
do nome. "Gostava que o estádio
tivesse um naming este ano, mas
não depende só de nós", diz Pedro
Ferreira, admitindo que já houve
contactos concretos. Nos planos da
EMA, para cobrir as despesas de
manutenção, está ainda a realização
de "actividades lúdico-desportivas
e empresariais", aproveitando "a
excelente localização do estádio".
"Estamos nos eixos Lisboa-Corunha
e Aveiro-Madrid", vinca Pedro
Ferreira, que lamenta, porém, o
facto de o estádio não ter sido
pensado com zonas comerciais e
de ter características (como um
pé-direito baixo) que dificultam a
utilização de salas para actividades
extradesportivas.
A localização é, porém, um
ponto de polémica. O Estádio de
Aveiro está fora da cidade, algo
que tem motivado muitas críticas
da população, que recorda com
saudosismo os tempos em que
os jogos se realizavam no velho
Estádio Mário Duarte. "Tirarem
daqui o estádio matou a cidade",
critica António Silva, um reformado
que o Cidades encontrou junto ao
degradado e velho estádio, onde a
equipa local ainda realiza alguns
treinos. H.D.S.
Estádio
Municipal
de Aveiro
Encargo diário
para a câmara:
10.958 euros
Coimbra: Académica pensa construir outro estádio
Quem entra na loja da
Académica, no Estádio Cidade
de Coimbra, depara-se com uma
curiosa placa de inauguração. "Obra
aprovada pela Câmara Municipal de
Coimbra sob a presidência do Exm.º
Sr. Dr. Manuel Machado, executada e
concluída sendo presidente da CMC
o Exm.º Sr. Dr. Carlos Encarnação."
A dupla referência não é ingénua.
É um sinal claro de que o actual
presidente da autarquia não
concordou com a construção do
novo estádio e só avançou porque a
obra já estava decidida.
Para Carlos Encarnação, que
assumiu a presidência da câmara
em 2001, o Euro 2004 foi um
"projecto sem pés, nem cabeça",
dando o exemplo de Coimbra, que
gastou perto de 40 milhões de
euros no estádio para dois jogos do
Campeonato da Europa de futebol.
Opinião diferente tem Manuel
Machado, líder da autarquia entre
1989 e 2001. "Não estou arrependido.
Foi uma obra adequada e
proporcionada. Diria até que era
indispensável, porque o estádio
tinha uma parte interdita, porque a
pala estava a ruir", afirma o antigo
autarca, defendendo que se tratou
de "uma obra de risco calculado,
com financiamento assegurado".
A autarquia pediu à banca 35
milhões de euros e já foi obrigada
a renegociar o empréstimo. Até
2007, os encargos anuais em juros
e amortização de capital atingiam
os 3,130 milhões de euros por ano.
Após a renegociação com a banca, a
autarquia teve dois anos de carência
e estima que, em 2010, os encargos
atinjam os 1,836 milhões de euros.
Mas nem só a remodelação
do estádio deu polémica. Na
sequência do projecto, a autarquia
fez uma permuta com o grupo
Amorim, autorizando-o a construir
um complexo de apartamentos
(Eurostadium) e um centro
comercial, recebendo em troca
37 milhões de euros em obras
(piscinas e pavilhão multiusos). O
negócio acabou nos tribunais, mas
Encarnação alega que foi a forma
de rentabilizar a zona. Rentabilizar
é também o papel dos concertos
(como os dos Rolling Stones e U2)
realizados no estádio, embora não
gerem receitas suficientes para
cobrir os gastos da autarquia.
A Câmara de Coimbra, porém,
já se livrou da gestão do estádio,
que foi assumida pela Académica,
algo que se tornou um encargo
quase insuportável para o clube.
José Eduardo Simões, presidente da
Académica, revelou ao Cidades, por
e-mail, que a manutenção do estádio
custou 350 mil euros em 2009 e
aumentará para perto de 450 mil
euros em 2010.
Tendo em conta que as receitas
geradas pelo estádio não são
suficientes para cobrir as
despesas, Simões já propôs que o
clube construa um novo recinto,
com 10 a 12 mil lugares, embora
reconheça que actualmente não
tem capacidade de o fazer. Nas
contas do líder da Académica,
seria possível construí-lo por "9 a
11 milhões de euros", tendo custos
de manutenção anuais de "150 mil
euros", o que permitiria poupar
300 a 350 mil euros por ano. Carlos
Encarnação não comenta estas
declarações e só vê um futuro para
o estádio. "Mantê-lo tal como está e
esperar que a Académica continue
na I Liga." H.D.S
Estádio Cidade
de Coimbra
Encargo diário
para a câmara:
5030 euros
Leiria: Procura-se comprador
Oito por cento do orçamento da
Câmara de Leiria serve para pagar
os empréstimos contraídos para
a reconstrução do estádio local. A
situação levou já o presidente da
autarquia, Raul Castro, eleito pelo PS
nas últimas autárquicas, a colocar
o recinto à venda. Na visita do
Cidades a Leiria, o autarca avançou
ter recebido alguns "contactos
exploratórios" de empresários
espanhóis e árabes, defendendo
que um eventual negócio com o
estádio pode incluir também parte
do capital da Sociedade Anónima
Desportiva da União de Leiria.
Esta opção de venda é contestada
por Isabel Damasceno, que presidiu
a esta autarquia nos últimos 12
anos. "Não há qualquer vantagem
económica na venda daquele
equipamento", defendeu a socialdemocrata
em declarações por
e-mail, argumentando que o estádio
"gera os proveitos suficientes para a
sua manutenção normal".
Há algo, porém, em que os dois
adversários políticos estão de
acordo. A forma de rentabilizar
o estádio passa pelo chamado
"Topo Norte", uma zona usada
para uma bancada amovível
durante o Euro 2004 e que Isabel
Damasceno descreve como "cerca
de 32.000 metros quadrados de
área de construção acima do solo
vocacionada para comércio e
serviços". Raul Castro defende
que esta zona pode servir para
equipamentos como um hotel, uma
loja de artigos desportivos e um
centro de recuperação médico, mas
argumenta que "um privado terá
mais margem de manobra".
O estádio de Leiria foi um dos que
mais ultrapassaram o custo inicial
previsto. E este foi, na óptica de
Raul Castro, o grande problema. "O
erro não foi construir o estádio, foi o
descontrolo orçamental. O Estádio
do Algarve é novo e custou menos.
Uma coisa é uma requalificação
por 20 milhões, outra é gastar
90 milhões. Por este montante
teríamos construído uma cidadela
desportiva", lamenta Raul Castro,
para quem os retornos do Euro 2004
e mesmo dos Europeus de atletismo
não justificam a "aposta feita".
Isabel Damasceno justifica
a derrapagem, apontando
duas razões. A primeira é que
a estimativa inicial "foi feita
pelos órgãos da administração
central" para a apresentação da
candidatura ao Euro 2004, e não
foi um "orçamento rigoroso". Em
segundo lugar, foram introduzidas
alterações ao projecto, já na fase
de obra, por causa de legislação
"relativa à segurança dos recintos
desportivos". A ideia de fazer o
"Topo Norte", diz Damasceno,
"provocou igualmente acréscimos
de custos".
Certo é que Damasceno não se
mostra "nada arrependida" por ter
avançado para a reconstrução do
estádio. "Em primeiro lugar, porque
a generalidade da população não
entenderia, à época, que Leiria
ficasse fora do Euro 2004". E
também porque a cidade "passou
a dispor de um equipamento de
alta qualidade para a prática do
futebol e do atletismo", tendo a
única pista portuguesa "certificada
internacionalmente para
competição". Raul Castro concorda
que manter a pista foi uma boa
ideia, mas salienta que as provas
de atletismo têm dado visibilidade,
mas não retorno financeiro. E a
população, entretanto, parece ter
mudado de ideias. "Mais valia ter
ficado fora do Euro", diz António
Conceição, um leiriense que lamenta
terem gasto "dinheiro a mais".
Estádio Dr.
Magalhães
Pessoa
Encargo diário
para a câmara:
13.698 euros
Algarve: À espera de uma equipa e do hospital
O parque de estacionamento do
Estádio Algarve está quase sempre
vazio. Em redor, circulam poucos
carros. Há poucas coisas para fazer,
a não ser levar ou buscar os filhos,
que provisoriamente ali têm aulas,
enquanto decorrem obras numa
escola de Almancil. A excepção
acontece ao fim-de-semana, quando
os algarvios aproveitam o espaço e
o parque infantil para passearem e
dar algum uso a uma estrutura que
custou mais de 60 milhões de euros.
A construção e manutenção do
Estádio Algarve ficaram a cargo das
câmaras de Loulé e Faro, mas nem
por isso deixa de ser um problema,
especialmente para a segunda, que
vive uma situação financeira mais
complicada. A primeira dificuldade
é a inexistência de uma equipa de
topo que use regularmente o estádio:
o Farense (III Divisão) deixou de usar
o recinto, o Olhanense (I Liga) prefere
jogar em Olhão e apenas o Louletano
(II Divisão B) o utiliza. Fora isso, só
mesmo as finais da Taça da Liga e o
Rali de Portugal, que dão visibilidade,
mas não receitas.
A autarquia de Faro paga
anualmente 1,2 milhões de euros
em empréstimo. A Câmara de
Loulé gasta 900 mil euros. E ambas
dividem o pagamento do milhão de
euros que representam os custos
de manutenção. Para cortar custos,
a administração do Parque das
Cidades vai reduzir o número de
funcionários. E tentará aumentar
as receitas, concessionando o
restaurante do estádio.
Seruca Emídio, presidente da
Câmara de Loulé, reconhece que é
difícil obter retorno financeiro, mas
defende que o estádio criou "uma
nova centralidade". É que para o
Parque das Cidades – a zona em que
está inserida o estádio – está prevista
a construção do novo hospital do
Algarve. "Isto tem um potencial
enorme. Está a dois quilómetros do
aeroporto, perto das principais praias
e junto da Via do Infante. Pode ser
daqui a 30 anos, mas aquele terreno
vale ouro", destaca o autarca, para
quem a construção do estádio abriu
caminho para criar uma nova cidade,
onde já está um laboratório de saúde
pública. Para o local estão também
previstos um centro de congressos,
um hotel e um campo de golfe.
Macário Correia, presidente da
Câmara de Faro, concorda que esta
era uma estrutura que fazia falta
ao Algarve, embora lamente que o
projecto não tenha tido mais apoios
regionais, o que sobrecarregou as
duas câmaras. A de Faro "está em
atraso de cerca de três milhões
de euros no seu contributo para
as despesas do estádio", revelou
o autarca do PSD, acrescentando
que está a ser criado um plano
de reequilíbrio financeiro e que a
autarquia tentará "honrar os seus
compromissos".
Enquanto esperam que uma
equipa local tome o estádio como
sua base, as autarquias gostariam de
integrar a candidatura de Portugal
ao Mundial 2018/2022, mas não
estão dispostas a gastar mais com
a obrigatória ampliação do estádio,
já que a FIFA exige um mínimo de
40 mil lugares. "Se houver fundos
públicos mais generosos ou outros
parceiros envolvidos, é um assunto
que podemos estudar. Dinheiro
municipal não há", salienta Macário
Correia. "As duas câmaras não
investem mais um euro", acrescenta
Seruca Emídio. H.D.S/Idálio Revez
Estádio
Algarve
Encargo diário
total das duas
câmaras:
8493 euros
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/