Topo

Blog do Juca Kfouri

Tricolor, filho de Sócrates assume o futebol do São Paulo

Juca Kfouri

29/07/2013 14h15

 

Gustavo Vieira de Oliveira é mais que filho de Sócrates ou sobrinho de Raí.

É um advogado competente, bem formado, e negociador provado, há anos prestando serviços ao São Paulo em complicadas transações.

E é são-paulino de quatro costados, desde 1986, quando o São Paulo decidiu o título brasileiro com o Guarani.

Motivo?

Ele morava no Rio, onde o pai defendia o Flamengo, e um dos filhos de Zico, Júnior, estranhamente bugrino, era rival dele nas peladas de garotos.

Ao saber que o amigo era torcedor do Guarani, Gustavo, que também foi bom comentarista na ESPN Brasil, resolveu ser são-paulino, apesar de filho de um ídolo corintiano e de ter nascido em 1977, o ano da redenção alvinegra.

Depois, Raí tratou de aprofundar a paixão a tal ponto que dos quatro filhos de Sócrates do primeiro casamento, apenas um não é tricolor.

Gustavo Oliveira já viaja hoje para a Alemanha no posto de homem forte, e remunerado, do futebol são-paulino.

O que ele escreveu para a Folha de S.Paulo, em 28/7/2002:

Até quando

GUSTAVO VIEIRA DE OLIVEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"O futebol não é praticado apenas entre as quatro linhas." Por mais que não queiramos aceitar, essa realidade teima em se fazer presente. O que provoca incômodos.
No Brasil, consideramo-nos "ex-pertos" quando o assunto é o futebol dentro das quatro linhas. Mas também temos o legítimo direito de nos considerarmos com a mesma qualidade quando estão em pauta assuntos extracampo.
Dificilmente em outro lugar qualquer do "Planeta Bola" se discute, se comente, se viva com tamanha intensidade os fatos de bastidores desse esporte como em terras pentacampeãs. Isso já faz parte da vida do torcedor brasileiro. Somos letrados no assunto. E o tema está, atualmente, tão intimamente ligado a nós que a emoção de uma final de campeonato equivale à expectativa de saber se ela vai realmente acontecer.
Esse é nosso futebol: surpresas e emoções antes mesmo de o torneio começar ou depois de ele estar terminado. Está enganado quem imagina que o torcedor desconhece essa realidade.
Já foi a época em que o frequentador de arquibancada ignorava o assunto, por entender que em nada lhe devia conta ou por se satisfazer com a partida ganha. Tempos passados.
Hoje, não só conhece do assunto como evolui no pensamento. Avança no raciocínio. Passa a não entender quando se dá conta de que, apesar de viver num país democrático, não encontra remédio, dentro das instituições oficiais, para o problema que aflige o esporte que tanto ama. Não entra na sua cabeça como a moral pode ser afrontada sem que ele possa, democraticamente, exigir ao menos moralidade.
E tem razão, nosso personagem, em se sentir como ofendido-impotente-desamparado. A estrutura político-administrativa do futebol é um dos últimos ranchos autoritários que sobreviveram à redemocratização do país. Sua rigidez é diretamente proporcional à popularidade que possui, porém com repercussões diversas.
Na semana que passou, tivemos a oportunidade de acompanhar mais alguns atos da tragédia. A sequência de liminares judiciais, cada qual incluindo uma equipe na primeira divisão do Brasileiro, mais a manifestação de vontade de outros clubes em seguir o mesmo caminho, culminou com a concessão de medida cautelar no Superior Tribunal de Justiça, impetrada pela CBF, cassando todas as liminares e, provisoriamente, estabelecendo a paz.
Não pretendo discutir o mérito da questão, o leitor não merece assunto tão chato. Mas observe mais à superfície, ao princípio.
O recurso à Justiça comum é desinteressante para todas as partes: o clube se arrisca a ser punido pela Fifa, a CBF tem sua autoridade contestada e vê ameaçada a organização de seus torneios. Para atletas, torcedores e patrocinadores, o prejuízo é ainda maior, pois em nada contribuíram para a existência do imbróglio. Para todos, a angústia de ver a lambança feita. E qual a razão do recurso ao Judiciário, se a Constituição firma que, para assuntos de disciplina e competição esportiva, o foro correto é a Justiça desportiva? Falta de credibilidade.
Nenhum poder é exercido legitimamente se não contiver alguns elementos, entre eles credibilidade, principalmente quando exerce função judicante. Mesmo que estejam legitimamente instituídos e constituídos, sem confiança na idoneidade e na transparência das decisões, não se terá Justiça. Então que se busque a Justiça onde ela exista, no Judiciário.
Este é o cerne da questão. Por sua história, suspeitas de falcatruas e falta de critérios, enfim, ausência total de credibilidade, formou-se o senso comum de que tudo que venha da rua da Alfândega, seja Justiça desportiva ou CBF, é feito com sacanagem, em benefícios de interesses pessoais, de forma a pôr no torcedor um belo nariz arredondado e vermelho. E o que é pior: é provável que esse senso esteja correto. E não é de hoje. Essa é nossa realidade.
Eu me questiono até quando o brasileiro terá orgulho, por fora, de ter melhor futebol do mundo, mas se remoer de vergonha por dentro, por torcer para esse verdadeiro "futebol-do-pau-oco".

A esperança tem novo nome: Código de Defesa do Torcedor, cujo texto do projeto de lei é fruto da reunião de representantes dos mais variados órgãos ligados ao esporte. Ele está disponível no site do Ministério do Esporte para críticas e sugestões. É dever do torcedor participar!


Gustavo Vieira de Oliveira, 25, é advogado e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD).

E em 3/11/2007:

O Brasil tem condições de sediar a Copa de 2014?

NÃO

A quem serve a Copa no Brasil?

SÓCRATES e GUSTAVO VIEIRA DE OLIVEIRA

NÃO SE tem dúvida do êxtase que será uma Copa no Brasil. Festa e futebol é uma combinação perfeita para nós, brasileiros. É o que temos de melhor para mostrar ao mundo. Porém, ao observar esse grande evento no seu entorno, de forma mais profunda, percebe-se a distância que nos separa das condições e do merecimento para recebê-lo.
O futebol é fenômeno social, parte fundamental da cultura do país, inegável elemento de identidade nacional e extremamente simbólico. O futebol brasileiro (dentro e fora de campo) muito diz sobre o que somos, nossos valores, a dinâmica social e as relações de poder. É uma mostra didática do que é o Brasil. A Copa não deve ser analisada sob ótica diferente.
A falta de condições salta aos olhos nos primeiros movimentos realizados rumo à indicação e, a partir de agora, à organização desse megaevento. Ao verificar as lideranças que ameaçam tomar frente do processo, é possível antecipar o futuro de apropriação do bem coletivo, da personificação maliciosa da obra social difusa, da preponderância de interesses indignos e ilegítimos em benefício de si mesmos, de seu pequeno grupo e na defesa do podereco que eterniza essas práticas no futebol (e no país).
O comitê organizador da Copa 2014 é o melhor retrato (conforme informação desta Folha): uma só pessoa, que tudo pode e a ninguém presta satisfação e contas. Um déspota! Mas não devemos nos preocupar.
Qualquer evento esportivo acontece por si só. É só a bola rolar que as atenções se direcionam para o campo e esses "requintes" se esvaem e depois são esquecidos com a avalanche de informações direcionadas -especialmente as veiculadas pelo império midiático, onipresente e onipotente no futebol, que tem papel fundamental no atraso das instituições esportivas. Sempre foi assim no Brasil, não é?
O que interesseiramente ignoram e querem que ignoremos é o potencial mobilizador e de transformação social desse fenômeno jogado com os pés. Essa é a legítima função do futebol, a qual, se aflorasse, não encontraria limites para transformar realidades, integrar culturas e pessoas, formar cidadãos e consciências, enfim, servir de vetor do desenvolvimento e da igualdade social.
Essa é o entendimento fundamental que nos falta, a essência que daria sentido a uma Copa no Brasil e que, com esses valores, por beneficiar a todos (benefício verdadeiro, não apenas a felicidade fugaz por assistir a alguns jogos), nos faria, com muito orgulho, merecer tal evento.
Nem mesmo se pode afirmar que há condições para as melhorias dos equipamentos urbanos, conseqüência do fato de sediar um evento dessa magnitude. É o que se verifica com a experiência do Pan. Apesar de inúmeras promessas de legados fantásticos e benfeitorias maravilhosas, passada a competição, pouco se verifica de melhoria na vida cotidiana do carioca.
O que se viu foi uma imensidão de recursos públicos investidos de forma nada transparente, usados, em sua maioria, para maquiar ações sociais provisórias e, portanto, ineficientes, melhorias urbanas não prioritárias e para construir praças esportivas que servem aos mesmos citados anteriormente, seja em forma de concessões à exploração privada a preços ridículos, seja para um efêmero "circo sem pão" esportivo que sustenta esse podereco.
Nesse cenário, o mais cruel é perceber que o único que merece vivenciar uma Copa do Mundo, devido à paixão delirante dedicada ao futebol, pela intensidade com que esse esporte é parte de sua cultura e identidade, é aquele que, também por tudo isso, não é estimulado a discernir sobre a manipulação de sua paixão e a enxergar essa realidade -ou seja, o torcedor e o povo brasileiro.
Sob esses aspectos, com uma visão mais profunda e complexa, que insere a Copa do Mundo e o próprio futebol dentro do contexto social e político, driblando a idéia e o poder dos contrários, enfim, por ir além da festa e do futebol, mesmo que sufocando o torcedor dentro de nós, não vemos condições de o Brasil sediar um evento com tal magnitude e simbolismo e, ao mesmo tempo, proporcionar transformações na realidade social do nosso país, que é o que a nós (sonhadores de um Brasil mais humano e justo) interessa.


SÓCRATES BRASILEIRO SAMPAIO DE SOUZA VIEIRA DE OLIVEIRA , 53, é médico e ex-jogador de futebol (Copa do Mundo de 82 e 86).

GUSTAVO CECILIO VIEIRA DE OLIVEIRA , 30, é advogado, especializado em administração esportiva pela FGV.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/