Três tricolores e um verde
POR LUIZ GUILHERME PIVA
Os hinos dos clubes de futebol em geral têm melodia e arranjo marcial, embora às vezes embalados como marchinhas, ranchos e dobrados. São muito parecidos, como se um continuasse o outro, na maioria das vezes.
E as letras? São também quase iguais entre si.
Com o mesmo altivo, altaneiro, orgulhoso e lutador espírito das melodias e arranjos, a tradição, o passado e a grandeza do time o põem como o melhor, o campeão entre todos e o que terá o mais alto pavilhão a tremular no futuro.
Tudo isso é dito em torno de três infalíveis palavras: história, vitória e – de longe, quase unanimemente, a mais usada – glória.
Há hinos que as repetem em várias estrofes. Glória, então, é como um farofa-fá de alguns deles.
Mas há uns poucos que, mesmo recorrendo a moldes melódicos parecidos e à história, às vitórias e à glória, trazem um talento específico, um encanto, um grão de sal.
Quatro em especial, para meu gosto.
Não sei se por acaso, mas são hinos em que letra e melodia se aproximam mais da canção popular brasileira. E cujos autores frequentam esse terreno.
O hino do Bahia, de Adroaldo Ribeiro Costa, arrebata e amolece com a brejeirice e a sensualidade do "mais um, mais um, Bahia".
Ali tem Gal, João, Bobô, Moraes e Galvão, Dorival – a Bahia ao inverso de Castro Alves, Rui Barbosa e Glauber Rocha, que são envoltos por parampampans e fonronfonfons grandiloquentes.
O "mais um, mais um, Bahia" é o quê que o Baêa tem.
A primeira estrofe do hino do Fluminense (melodia de Lyrio Panicalli e letra de Lamartine Babo) é como a banda da canção do Chico subindo e descendo ladeiras, contornando praças e ruas, com o pessoal se juntando e cantando e chamando para que cantemos junto ondulando a voz e os braços em rimas internas e externas e tônicas e átonas nos picos e vales das ondas da evolução da banda – e eis o último verso emergindo como uma coda cantada em uníssono para renovar a estrofe. E mostrar que o que era doce não se acabou.
O hino do Grêmio, de Lupicínio Rodrigues, tem um entoo mais marcial, mas o refrão encanta. Aliterações, coloquialismo, subida de voz, palavras pouca usadas em hinos, um modo de dizer diferente.
A princípio, parece um bando de destemidos atravessando distâncias em luta.
Mas tem ali no fundo um samba-canção – de solitários atrás de seu amor – que conquista nosso apoio e nosso coro para cantarmos onde der e vier.
Por fim, o começo do hino do Goiás, de Tavito, Paulo Sérgio Valle e Regininha, é uma delícia contagiante. A melodia parece girar em volta do ouvinte, puxando-o para uma roda de dança, com uma viradinha (em "voz") de tirar o chapéu pras moças e começar a rodar pro outro lado. A letra com os "s" e "z" contornando as rimas internas desliza e sai como se respirássemos cantando.
E cantar até o "peito doer" e "perder a voz" são pepitas pra ecoar em todo o cerrado, levando o povo a dançar em roda numa enorme extensão do Brasil.
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Luiz Guilherme Piva canta histórias, vitórias e glórias alheias.
Ouça aqui os hinos do BAHIA, FLUMINENSE, GRÊMIO e GOIÁS</a>.
Sobre o Autor
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