Lance lendário: Luizinho x Luís Villa
Por LUIZ GUILHERME PIVA*
No Pacaembu, olha o campo vazio antes do jogo e vê o Luizinho, o Pequeno Polegar, passar a bola entre as pernas do Luís Villa.
Exatamente como leu nos jornais e ouviu no rádio durante a semana: Luizinho avisou que faria isso.
Impossível, achava. O centro-médio do Palmeiras, argentino, alto, elegante, refinado, respeitável como um moai, não permitiria.
Mas o atacante corintiano, baixinho, driblador, ousado, arisco, não deixaria de tentar.
Esfrega os olhos. O campo segue vazio. A torcida ainda é rala.
Mas lá está, nítido: Luizinho passa a bola entre as pernas do Luís Villa. A torcida estrondeia.
E mais: Luís Villa se desequilibra, verga o tronco, a fronde, hesita. A torcida retumba.
Ele sente o golpe no lugar do ídolo.
Lembra do resto do que leu nos jornais e ouviu no rádio a semana toda: Luizinho avisou que, depois do drible, sentaria na bola.
Não vai fazer, pensa, torce, teme. Fecha os olhos.
Mas mesmo assim vê a imagem que o lancina. Luizinho senta-se na bola depois de humilhar seu ídolo. A torcida explode.
Luís Villa balançando, estancando aos poucos a queda e tentando se pôr de novo ereto.
Sabe que o público ainda está começando a chegar. As cadeiras e arquibancadas estão quase desertas.
Mas os urros, as gargalhadas, os assovios da torcida colocam-no no meio de um tufão.
Eis que, súbito, o silêncio abrupto, total, tenso.
Ele abre as pálpebras de chumbo.
Luís Villa, palmeira-real, está em pé de novo, olhando para o duende mágico sentado na bola.
Pisca. Campo vazio. Pisca. Luís Villa caminha. Pisca. Ninguém no gramado. Pisca. Luís Villa de pé a poucos centímetros de Luizinho – que, na ilha de sombra, sentado na bola, olha pra cima.
Arregala os olhos, com medo de que Luís Villa vá chutar Luizinho, pisá-lo, esmagá-lo. A multidão fecha os olhos, receando o mesmo.
Mas Luís Villa estende a mão. Espera a mão de Luizinho. Cumprimenta-o. Afasta-se dois passos e, em reverência, sinaliza a Luizinho que, tendo cumprido sua promessa, siga a jogada com o brilho merecido.
Nessa hora não vê mais nada. Só o gramado do Pacaembu vazio. A torcida ainda chegando.
Percebe que era lembrança. O noticiário da semana antes do jogo, o rádio incendiando a provocação de Luizinho. A cena no estádio, ocorrida na sua frente no domingo. Tudo isso fora há muitos anos.
Antes de ele ter nascido.
Dez anos antes.
Mas seu pai contara isso a ele.
E é como se ele tivesse visto.
________________
*Luiz Guilherme Piva vai às vezes ao Pacaembu.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/