"Bem-vindo ao Congo". E daí?
O blogueiro está em férias.
Mas deixa alguns capítulos do livro "Por que não desisto", lançado pela Editora Disal, em 2009, e organizado pelo jornalista Márcio Kroehn, autor dos pequenos comentários (em vermelho) que apresentam os artigos do blogueiro.
"Bem-vindo ao Congo". E daí?
Algumas comparações são mal colocadas e são feitas, sobretudo, por aqueles que não olham para o próprio umbigo. O fato é que não importam quem seja o espelho, as feridas (ou os orgulhos) são sempre cutucados sem que se reaja, se enfrente e se acabe com os problemas já conhecidos, mas jogados para debaixo do tapete.
Que o gerente de imprensa do Comitê Olímpico norte-americano fez uma brincadeira infeliz ao chegar ao Brasil e escrever "Bem-vindo ao Congo" é fora de discussão.
Kevin Neuendorf já foi devidamente punido e afastado. Talvez aproveite para estudar geografia, porque nem sequer distinguiu a qual Congo se referia, se ao Congo-Brazzaville ou ao Congo-Kinshasa, também chamado de República Democrática do Congo. Seja qual Congo for, no entanto, ficam as perguntas: quem se horrorizou com a piada sem graça o fez por termos sido comparados a um país africano ou com a ignorância do bobalhão? Se ele tivesse escrito "bem-vindo à França", também haveria reações patrióticas?
As perguntas cabem porque, na Copa da Alemanha, o francês Thierry Henry declarou que a habilidade natural do brasileiro para o futebol se deve à falta de escola. "Os brasileiros jogam futebol desde que nascem. Nós tínhamos de ir à escola das 8h às 17h e, quando pedíamos permissão à mãe para jogar, ela dizia não. Eles jogam das 8h às 18h, então em algum momento a técnica aparece", arrematou o craque.
E muita gente se ofendeu por aqui, embora seja inegável a verdade que, desafortunadamente, a frase contém. Ou estamos felizes com o padrão educacional brasileiro e temos nossas crianças bem atendidas na rede escolar, seja a pública, seja a particular? Ou não é verdade que um dos poucos meios de ascensão social para a garotada excluída é o futebol, ou a música, ou, por pouco tempo, o tráfico de drogas?
Confesso a minha também ignorância sobre a quantas anda a corrupção nos Congos. Nem sei quem é o presidente do Senado deles.
Nem se a Gautama já andou por lá (e é possível), ou se jovens de classe média batem em brancas pela madrugada. Ou se há mensalão, mensalinho, apagão aéreo, sanguessugas, ou mosquito da dengue, embora saiba, ao menos, que o calor é forte, como no Rio, ou em Nova York no verão. Carros blindados, há?
O que sei, ainda, é que não há o menor motivo para nos fazermos de indignados quando verdades são ditas sobre o Brasil, por mais que venham da boca de estrangeiros. Afinal, a mesma globalização que descaracterizou a seleção de futebol, permite que cada um dê sua opinião sobre tudo e todos, como, por exemplo, Carlos Nuzman fez questão de ridicularizar os Jogos Pan-Americanos de Santo Domingo, em 2003.
Verdade que começa a pagar pela língua mais cedo do que imaginava, com todos os atrasos do Rio-2007 e com a proteção que cobre seus parentes e amigos, cada vez mais revelada, onde se cutuca nas diversas empresas que gravitam em torno do evento.
O americano no Rio pode se imaginar no Congo como nós podemos dizer que George W. Bush não passa de um sanguinário mentiroso. É jogo jogado.
O que não podemos é defender que nossas mazelas fiquem escondidas do mundo, porque sempre haverá alguém para mostrar que o rei está nu.
E a nudez nacional é daquelas de dar vergonha, no esporte e fora dele, em partes iguais.
(Publicado na “Folha de S.Paulo” de 09/07/2007)
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