João Havelange nos 'Años Locos'
PoR MANUEL ROCHA CARVALHEIRO*
Em recente entrevista dada ao jornal "Folha de S.Paulo", João Havelange revelou que talvez tenha havido arranjos em algumas Copas do Mundo de futebol.
Referiu-se a escolha de árbitros e outros arranjos.
Naquela Copa da Argentina, em 1978, houve alguns fatos suspeitos.
O mais comentado foi a derrota do Peru para a Argentina por uma diferença de gols que era exatamente a que classificava a Argentina e desclassificava o Brasil para a final.
Misturar interesses por prestígio esportivo e comercial, como eram os da Inglaterra e Alemanha, com os interesses dos militares argentinos, como ele fez na entrevista, é uma sacanagem, para dizer o menos.
Casualmente fui testemunha de um almoço entre Havelange e os dirigentes da Associação de Futebol Argentino e também com membros do governo militar argentino.
Estivemos, eu e minha esposa Neusa, na Argentina entre os dias 24 e 28 de maio de 1978.
Fomos até Mar del Plata e aproveitamos para visitar o estádio onde o Brasil jogaria daí a alguns dias.
Voltando a Buenos Aires também visitamos o estádio de River Plate onde seriam jogados as partidas mais importantes, inclusive a final.
O passeio evidentemente não tinha esse objetivo como único.
Em Buenos Aires estivemos em todos os lugares que já havíamos visitado antes com nossos filhos.
Nessa visita anterior fomos com as crianças almoçar no restaurante Años Locos que ficava na "costanera" amurada ao longo do Rio da Prata como era a do Flamengo, no Rio, e o "Malecon", em Havana.
Era domingo e ficamos surpresos com a elegância dos freqüentadores.
Todos bem vestidos. Os homens, inclusive meninos, com terno e gravata.
Era quinta ou sexta feira e deixamos as compras feitas de manhã no hotel e fomos almoçar nos Años Locos.
Chegamos pouco após o meio dia. Fomos os primeiros clientes.
Estávamos no meio do almoço, com o restaurante quase vazio, quando notamos uma grande movimentação na entrada.
Vimos entrar vários homens de terno e gravata e entre eles alguns militares com seu uniforme.
Com eles estava Havelange.
Pudemos ver e ouvir a conversa que mantiveram.
Foram acertados algumas ações a serem desenvolvidas pela FIFA na organização dos jogos.
Entre elas a escolha dos árbitros, as datas dos jogos, o horário dos jogos onde jogaria a Argentina.
Na ocasião, Havelange mostrou-se prestativo, subserviente e mais ainda fez referências de apoio à ditadura Argentina.
E fez algumas críticas à fraqueza da repressão da ditadura brasileira e elogios à dureza do governo argentino.
Chegou a lamentar que o governo brasileiro começasse a afrouxar a repressão.
Não me surprendi com as posições do Havelange.
Ele sempre foi apoiador da ditadura brasileira tendo inclusive apoiado publicamente o golpe de 1964.
É preciso lembrar sempre o passado dos que usaram o seu prestigio público como esportistas, e outros conhecidos comunicadores, para apoiar o golpe de 1964, a ditadura, a repressão, a tortura.
Raramente em público, mas sempre ajudando, escondidos, todas as ações que os militares dos países latino-americano tiveram naquela época.
Hoje, agosto de 2008, 30 anos após, julgo de meu dever contar este acaso encontro com Havelange nos Años Locos de Buenos Aires.
*Manuel Rocha Carvalheiro é engenheiro.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/