'Sálvio e Armando'
– Carisma meu caro, carisma.
– Mas seu Armando, foi falta do Adriano!
– Sálvio! Foi falta pros corintianos. Pros tricolores foi gol.
– Dizem que vão me suspender, botar na geladeira.
– É bem provável. Pra pensar duas vezes antes de apitar.
– Mas seu Armando, o senhor me desculpe, mas o que aconteceu domingo é fichinha…
– Diz logo. É fichinha perto do que acontecia comigo, né?
Sálvio fica calado, porém é a pura verdade. Na sua frente está um juiz que cometeu os erros mais atrozes da história do futebol brasileiro. E, no entanto, escapou ileso pra contar a história.
– O senhor não viu a mão de Wilton seu Armando?
– Vi meu amigo.
– E a de Leivinha?
– Claro, quem não viu?
– O senhor contou os pênaltis da Portuguesa?
– Um por um, mas depois fiquei pensando na vida e me perdi um pouco.
– E aquele esculacho no Müller na Copa de 74?
– Ali até eu acho que exagerei. Principalmente, porque eu falei tudo em tupiniquim.
Sálvio respira fundo e decide fazer a pergunta tão esperada:
– Então seu Armando, se o senhor errou tanto e está aqui contando história, porque é que todo mundo pega no meu pé e no seu não?
Armando pensou bem na resposta. Olhou Sálvio na sua frente. Mais um juiz que não entendia as engrenagens que movem a vida e o futebol. Por um instante achou que fosse falar a verdade, mas o instante passou rápido. Fugaz. Ele não iria entender nunca. Pra que gastar seu verbo?
Então, Armando lhe estendeu a mão e disse que aquilo tudo iria passar. Todo mundo erra. No próximo jogo todo mundo já esqueceu.
Sálvio olhou aquele vulto se afastando na rua. Incógnito. Distante. Lembrou do lance de Adriano, dos gritos da torcida. Por um momento pareceu entender a estranha metáfora do futebol, das arquibancadas, do juiz solitário no meio de campo.
Poderoso e frágil.
Meritíssimo e réu.
Por vezes, Judas.
Muitas vezes, Pilatos.
Mas sempre crucificado.
Por via das dúvidas, colocou de novo a peruca e a barba pra não ser reconhecido.
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