Memórias da Copa América em que engolimos Zagallo
"Vocês vão ter que me engolir!", ameaçou o técnico campeão da Copa América de 1997, na Bolívia, logo depois de a seleção brasileira ter batido os anfitriões na altitude de La Paz. Tinha sido o único jogo entre times titulares na competição, algo que Zagallo desdenhou ao fazer seu desabafo.
E tinha sido o jogo mais difícil, por causa da altitude, e não da Bolívia, um timeco. E pensei, na hora: "Imagine se ele ganhar o penta na França". E pensei, ainda mais depois que soube que a ameaça era para o companheiro Juarez Soares e para mim: "Vou ter de pedir asilo na Noruega". E como torci por esse asilo, um ano depois, em vão.
Mas aquela Copa América foi mesmo uma bobagem, como foi a seguinte, no Paraguai, quando o Brasil ganhou de novo jogando só contra times-reservas de outros países, ou contra uma equipe de novos, como na final diante do Uruguai, 3 a 0 para a seleção de Vanderlei Luxemburgo.
O time uruguaio, por sinal, tinha um atacante chamado Magallanes, o mesmo que fez o gol de pênalti, em Montevidéu, pelas eliminatórias, dias atrás. Como será outra bobagem esta agora, na Colômbia. E tomara que seja só uma bobagem – e não uma tragédia.
Mas cá estou a divagar. Retomemos o assunto que aqui nos trouxe, a Copa América da Bolívia, a do "vão ter que me engolir", que virou marca registrada de Zagallo. Zagallo disse depois que seu desabafo tinha sido motivado porque queriam derrubá-lo da seleção para pôr Vanderlei Luxemburgo em seu lugar, obviamente um temor que ele devia estar sentindo, mas que carecia, pelo menos no que me diz respeito, de qualquer fundamento.
Em primeiro lugar, porque nunca tramei para tirar nem pôr ninguém na seleção. Não é meu papel. Em segundo lugar, basta pensar um pouquinho: se há alguém da imprensa com pouco prestígio na cbf, esse alguém, graças a Deus e ao meu trabalho, sou eu. Portanto, mais que uma ingenuidade, é uma grossa ficção imaginar que eu pudesse estar fazendo a cabeça do presidente da cbf (tentaremos o máximo possível evitar a citação do nome dele, pelo menos em minhas "memórias").
Finalmente, ainda em 1996, maravilhado com aquele time do Palmeiras dirigido por Luxemburgo, escrevi uma coluna na Folha de S.Paulo em que defendia sua ida para a seleção com o seguinte título: "Luxemburgo – 2002".
Achava que ele estava verde para 1998, sem saber que estaria verde também para 2002. E hoje me divirto imaginando o que passa na cabeça de Zagallo todas as vezes em que ele me vê criticando Luxemburgo e o elogiando na direção do Mengo. Acho que ele acredita que, de fato, o engoli, digeri e passei a gostar.
Vai ver até tem razão.
(Extraído do livro "Meninos, eu vi", de Juca Kfouri, editoras DBA/Lance!)
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