Evaristo, o técnico da seleção demitido nos céus
Já vi técnico de seleção brasileira ser demitido dentro de avião. Mas em aeroporto, como aconteceu com Emerson Leão, foi a primeira vez.
Em 1985, era técnico da seleção o bom Evaristo de Macedo. Senhor de si e disposto a renovar, Evaristo assumiu a seleção no lugar de Edu Antunes, o irmão de Zico e extraordinário jogador do América do José Trajano e do Giulite Coutinho – por sinal, então presidente da cbf. Eduzinho não deu certo, e Evaristo assumiu para ficar apenas seis jogos, nos quais a seleção ganhou da Colômbia, do Uruguai e da Argentina, mas perdeu para a mesma Colômbia, para o Peru e para o Chile. E foi exatamente após a derrota para o Chile, em Santiago, 2 a 1 (jogo que me recorda outro episódio, dessa vez com João Saldanha, que contarei no próximo capítulo), que Evaristo caiu. No ar.
Apesar de ter lançado jogadores como Branco, Bebeto e Casagrande na seleção, a personalidade forte de Evaristo levou-o a se chocar com a imprensa, e as derrotas para a Colômbia e para o Chile, seguidas, às vésperas das eliminatórias, causaram a sua substituição, no trecho entre Santiago e São Paulo.
No avião estava, também, o sucessor dele, Telê Santana, que havia sido convidado na madrugada anterior, episódio que conto no prefácio do livro Fio de esperança, na ótima biografia do mestre Telê escrita por André Ribeiro (São Paulo, Gryphus, 2000).
Já era alta a madrugada quando tocou o telefone no quarto que dividíamos Telê e eu, ambos comentaristas do sbt. Ele atendeu e conversou monossilabicamente com seu interlocutor, um pouco por ter sido acordado, outro pouco, desconfiei, por não querer que eu soubesse com quem falava e qual era o teor da conversa.
Tão logo desligou, perguntei: "Era o Giulite, Telê?"
"Vira para o outro lado e dorme", respondeu.
"Ele te convidou para assumir a seleção? O sbt perdeu um comentarista?", insisti.
"Cala a boca e me deixa dormir", devolveu.
Só que não dormiu. Virava para lá e para cá, até o amanhecer. No dia seguinte, voltamos todos, a seleção e os jornalistas. Alguns ficaram em São Paulo, eu entre esses, e outros seguiram para o Rio, como o presidente Giulite Coutinho, Evaristo de Macedo e Telê Santana. Evaristo desceu demitido, Telê, assumido, e Giulite, com o dever cumprido, elegantemente.
Bem diferente do que se fez com Emerson Leão. Mas não há mesmo comparação entre aquela cbf e a atual.
(Extraído do livro "Meninos, eu vi", de Juca Kfouri, editoras DBA/Lance!)
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