“Uma mulher narrando futebol!“

POR PETRONIO FILHO*
Algum tempo atrás, liguei o televisor para torcer pelo Botafogo e peguei o jogo começado. Tive uma surpresa ao constatar que o narrador do jogo tinha timbre de voz fino. Era uma transmissão do SporTV e nunca tinha ouvido aquela voz.
Minha reação inicial foi negativa. Uma mulher narrando o jogo do Fogão? Era só o que faltava! Meu time está na Série B do Brasileirão. A escolha da narradora teria algo a ver com a fase ruim da equipe?
Futebol feminino existe, todos os clubes de futebol têm sua equipe. Mas é um esporte de baixo público e baixa audiência na TV. O prestígio do Botafogo diminuiu ao ponto de escalarem uma mulher para narrar os jogos?
Não sou dos que dizem que as mulheres são barradas do futebol. O que acontece, pelo menos na minha família, é que elas barraram o futebol de suas vidas. Quando solteiro morei numa casa onde eu era o único filho varão. Nunca consegui contar com a companhia das irmãs — duas meninas chatas — para assistir ou jogar futebol.
Depois que me casei passei a morar com a mulher e duas filhas. Descobri que as mulheres são muito mais legais no papel de filhas do que no de irmãs. Minhas filhas se interessavam por tudo que o pai fazia. As pequenas sempre topavam me acompanhar ao campo de futebol para chutar bola. Eu ficava de goleiro e engolia frangos memoráveis enquanto elas davam risadas. A caçula Julia até gostava de assistir futebol na TV comigo.
Depois cresceram e perderam o gosto pelo esporte. Hoje as duas se dizem botafoguenses em consideração ao pai. Mas só assistem futebol quando é para torcer pela seleção brasileiras em Copas do Mundo. Todo o lado feminino da minha família se comporta assim, incluindo primas, tias, sobrinhas e avós.
Minha mulher é a exceção. Quando me casei com Cristina, ela se dizia flamenguista sem nunca ter assistido um jogo do Flamengo ou da seleção brasileira. Depois que casou passou a se dizer botafoguense, prova de que o casamento aperfeiçoa as mulheres. Mas ela seguiu boicotando o futebol.
Cristina só foi assistir o primeiro jogo em 2013, Brasil 3×0 Japão, pela Copa das Confederações. Ela só assistiu o jogo porque eu e a Julia comparecemos ao estádio, e ela tinha esperança de que o marido e a filha fossem filmados na plateia.
O fato é que, considerando todas as mulheres brasileiras que conheci na vida, conto nos dedos as que se interessavam por futebol. A exceção fica por conta das americanas. Nos dois anos em que morei nos EUA, tive a surpresa de encontrar lá mulheres subversivas. As americanas se metiam a jogar futebol com homens — em sua maioria estrangeiros — sem serem convidadas.
A longa digressão foi para explicar minha surpresa em ver uma mulher narrando o jogo do Botafogo no canal SporTV. Como disse antes, estranhei a novidade. O jogo se tornou mais tenso do que o normal.
Logo descobri que seu nome é Renata Silveira. Ela transmitia o jogo com absoluto domínio de cena. Fazia comentários pertinentes sobre os lances. Houve um lance polêmico, que o comentarista de arbitragem interpretou contra o Botafogo. A Renata meio que discordou e tomou discretamente o lado do Botafogo. Com isto, ela provou ser lúcida e ganhou de vez minha simpatia.
Quando desliguei a TV, fiquei pensativo. O que dizer das qualidades técnicas da narradora Renata Silveira? Ela se tornou narradora por méritos próprios? Ou aconteceu de o SporTV fazer demagogia politicamente correta?
Bem, três coisas me chamaram a atenção no trabalho da primeira narradora de futebol contratada pela Globo.
A voz é perfeita em tudo: dicção, tom, volume, ritmo e timbre. Entende-se cada sílaba do que ela fala. E ela narrava o jogo como se entendesse de futebol. Não perdia nenhum detalhe.
Ela aparentava estar adorando a partida que estava transmitindo. Trabalhava como se estivesse se divertindo. Era uma mulher que gostava de futebol. Seu entusiasmo me lembrava o estilo do Luiz Carlos Júnior, meu narrador favorito.
Por último me impressionou o quanto ela estava "enturmada". Parecia que era narradora do SporTV há décadas. Jamais se comportou como novata ou como estranha no ninho. A moça não tinha um pingo de inibição ou timidez. Ela entrou de intrusa no mundo masculino, e já se comportava como sócia fundadora do Clube do Bolinha.
*Petronio Filho é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor concursado do Senado Federal.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/