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Blog do Juca Kfouri

Os Caim(s) de Abel

Juca Kfouri

29/06/2021 18h22

POR JOSÉ LUIZ PORTELLA

No capítulo 4 do livro de Gênesis está a história de Caim e Abel, que passou a ter um sentido metafórico imenso. É nesse sentido que escrevemos. Caim é algoz de Abel

Quem são os Cains de Abel?

Abel é um técnico sério, emotivo, bem- intencionado, que teve méritos nas conquistas havidas, claro. Nenhum time é campeão sem participação do técnico. Porém, muita gente no afã de valorizar o trabalho intelectual, menoscaba os erros, porque há um viés de história infantil de que sempre o herói é impoluto e perfeito e o vilão detém todos os vícios.

O primeiro Caim é a incoerência de Abel, que por muitos é tido como um estudioso. Qualquer técnico que lê um livro de tática e fala "tatiquês", é rotulado "estudioso". Se ele é, não sei, mas, então, não passou de ano.

Mudou o esquema tático para três zagueiros, tendo ganhado tudo sem ele, e o fez sem receber jogadores novos excepcionais que impelissem a mudança de sistema.

E não soube trabalhar com alas pelas laterais. Ultimamente vem jogando com Victor Luís, que cruza mal, não sabe atacar, geralmente atrasa a bola. E Marcos Rocha, cujas idade e contusões, têm feito cair de produção e ser débil no ataque, como Mayke, com os mesmos problemas impeditivos. Já chegou em vários jogos a colocar os dois quando precisava atacar e com resultados pífios.

Abel tirou a velocidade do time no último jogo, escalando pelas pontas Marco Rocha e William. Mostra que não entendeu o esquema que o levou as conquistas, o contra-ataque rápido, quando aparece Rony, veloz, e que é fraquíssimo no trato da bola sem velocidade. Sistema armado por Cebola, que depois, por sorte ou por sabedoria, ele manteve. Desfez a magia.

Abel demora pra substituir e o faz muito mal mostrando que não enxergou o jogo. Maior parte das substituições são desastradas, além de escalar mal e normalmente perder mais do que um tempo, pois, a teimosia, outro Caim de Abel, faz com que não substitua no intervalo (quase nunca).

Abel anda macambúzio à beira do gramado, a parecer que lhe bate uma melancolia lusitana e querer voltar para Europa, o que acarretaria empolgar boa multa, se for demitido.

A tristeza de Abel contagia o time, que tem jogado lento, sem criatividade e alegria. É só observar a face e a linguagem corporal dele nos últimos jogos.

O nefasto episódio dos brincos de Patrick se junta a outros onde mostra um treinador que não contém os equívocos de comportamento dos atletas novos vindos da base, que jogam de forma entediada, como se fossem já grandes astros, "blasés". Os brincos foram um símbolo da falta de comando, porque é incabível que não tenha sabido da decisão de Patrick, que foi avisado por duas pessoas que não podia jogar de brinco. Se não sabia, pior ainda.

Mas, a falta de comando também alcança a parte técnica, onde se percebe que os jogadores repetem os mesmos erros, sem evolução.

Empereur não chutou a bola para frente e a deixou sobrar para o lateral do "Defensa y Justicia", no chute fatal, Mayke fez o mesmo contra o São Paulo originando lance que levou ao gol de Luan.

Tirou Veiga, um batedor de pênaltis 100%, em todas as partidas que foram para os pênaltis, no fim do jogo, substituindo, na última vez pelo, inútil Lucas Lima, a pior contratação de Alexandre Mattos com patrocínio de Neymar Pai. Que perdeu o pênalti contra o CRB. Em todas as vezes, um pênalti a mais teria resolvido.

Comete erros sucessivos no atacado e no varejo.

Mas, pior foi a entrevista que deu reclamando de reforços após ter conversado com o presidente, em atitude desleal e inexplicável, que ele tentou mitigar edulcoradamente, dizendo que relação tem "pimenta" e "o sangue ferveu".

Quando o dirigente faz isso, os treinadores e a imprensa não perdoam, nem levam o "sangue fervente" em conta. Abel passou do limite.

Aliás, talvez seja uma trapaça da vida para Maurício Galiotte, que não deixa ninguém entrar em sua sala sem proceder uma intriga com outrem, e tendo votado pela suspensão injusta de Belluzzo, agora solicita permanente e docemente que Belluzzo compareça para votar a favor dele.

Aqui se faz, aqui se paga, que se assemelha ao texto bíblico: colhemos o que semeamos. Abel foi uma colheita da semeadura.

Aliás, o fato de o presidente estar muito mais preocupado com a dívida do que com o time, fruto de prometer zerar a dívida em sua gestão, o que não vai fazer. E de ter adiantado pagamento a Paulo Nobre prejudicando as finanças por conta da diferença de juros entre o que pagava e o que podia aplicar.

Os tropeços de Abel têm companhia.

Abel não tem sabido sair da armadilha da impotência do time quando tem que atacar e agora derrubou a coisa que o Palmeiras mais sabia: contra-atacar. 

A melhor crítica corretiva se faz quando se ganha, para não se tripudiar na derrota. A vitória sobre o Bahia todos os palmeirenses sabem como veio, vibrou-se muito, mas não era esperada pelo desempenho em campo, sejamos sinceros.

Teimosia, lentidão na substituição, tolerância com os mesmos erros, substituições desqualificadas, que tem se repetido, são os Cains de Abel. Lembra Saramago: "Penso que não cegamos, penso que somos cegos que veem, cegos que vendo, não veem".

Deve ter mais chance, contudo precisa sair do "Ensaio à Cegueira".

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/