O brasileiro é mesmo tão apaixonado pelo time que torce?
A coluna de José Luiz Portella no diário "Lance!" de hoje remete à de Rodrigo Capelo da revista "Época", sobre uma pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) em relação ao grau de devoção do torcedor brasileiro ao seu clube.
Sou leitor assíduo de ambos, mas, sei lá por que, esta de Capelo me escapou.
De tão boa, de fato, a reproduzo na íntegra:
"O Flamengo tem 35 milhões de torcedores." "O Corinthians possui 30 milhões de fãs." As frases saem da boca de dirigentes toda vez que precisam "vender" o clube – para conseguir um patrocinador, por exemplo – e de torcedores na hora de contar vantagem nos bares e nas redes sociais. Há derivações para quase todo time de futebol brasileiro que se considera "grande". Pare para refletir. A torcida de seu clube é mesmo tão numerosa assim? Ou melhor: ela é tão apaixonada quanto as afirmações de grandeza fazem parecer?
O modo como o mercado conta torcedores é conhecido: institutos como Datafolha e Ibope fazem pesquisas amostrais e determinam que, de toda população, 18% torcem para o Flamengo e 16% para o Corinthians. Esses percentuais em um país com mais de 200 milhões de habitantes fazem qualquer um parecer gigante. Mas a conta não deveria ser tão simples assim. Afinal, se há tantos milhões de torcedores no Brasil, como conceber que o Campeonato Brasileiro tenha uma média de público em torno de 17 mil pagantes por jogo? A resposta está em quão apaixonados são esses milhões.
>> O ingresso brasileiro é o mais inacessível do mundo
As torcidas de futebol podem ser colocadas em réguas de engajamento. O fulano que está lá no topo é aquele que lê as notícias do clube, vai ao estádio, viaja para ver o time jogar fora de casa, paga mensalidades de sócio-torcedor e assina pacotes de pay-per-view. Sente-se mal quando o time perde e gasta mais do que poderia com seus produtos. É o fanático. O fã. O sujeito que fica na outra ponta simpatiza pelo clube, diz que torce por ele, mas não faz nada disso com tanta frequência. Assiste aos jogos e compra produtos eventualmente. Não tem tanto envolvimento emocional assim.
Na teoria, tudo certo. Na prática é que o problema engrossa. A medição do engajamento de cada torcedor é rara dentro dos próprios clubes – os departamentos de marketing, quando têm equipe, investem seus esforços mais em tarefas comerciais, como buscar patrocinadores, do que efetivamente de marketing, algo que envolve pesquisa. No mercado, de modo conjuntural, as pesquisas são ainda mais raras. A boa-nova é que o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), aquele órgão reconhecido por cobrar dívidas, fez uma pesquisa que levou em conta as diferenças entre fanáticos e simpatizantes.
Os torcedores brasileiros acham ser mais fanáticos do que realmente são. Ao responder ao questionário do SPC, metade dos entrevistados, 50%, afirmou ser "aficionada", o mais elevado nível de engajamento. Só 13% se identificaram como "simpatizantes". O órgão então fez perguntas mais direcionadas para "checar" se aquela impressão era real. Com que frequência você lê notícias sobre seu time? A quantos jogos assistiu no último mês? Assim em diante o SPC identificou que a prática está distante do discurso. Na régua da entidade, só 8% são "aficionados" e 43% são "simpatizantes". Não amamos tanto assim.
O SPC também montou uma tabela que divide os torcedores por time em "aficionados", "médios" e "simpatizantes". Prepare-se para a polêmica. O São Paulo, campeoníssimo na década de 2000, tem uma proporção maior de simpatizantes do que de aficionados. O Palmeiras, pelo contrário, tem mais aficionados do que simpatizantes. Na prática, isso que dizer que, apesar de os são-paulinos aparecerem à frente dos palmeirenses em pesquisas de tamanho de torcida tradicionais, como a do Datafolha, os palmeirenses consomem o clube com mais intensidade. Se você lembrar que o Palmeiras teve uma média de 29.633 pagantes por jogo no Brasileiro de 2015 enquanto o São Paulo ficou em 20.562, a conclusão do SPC ganha mais um indicador que a corrobora.
É claro que as conclusões merecem um paragrafão de ressalvas. A pesquisa do SPC, como as do Ibope e da Datafolha, é amostral e, portanto, não deve ser considerada como definitiva. Uma coisa é entrevistar os 200 milhões de brasileiros para ter certezas, mas aí haja custo. Outra é entrevistar 620 pessoas em 27 capitais e estimar o comportamento de grupos maiores a partir da amostra. O método é sério, embasa pesquisas no esporte, na política e na economia, mas tem uma margem de erro. No caso são 3,5 pontos percentuais que podem mudar os resultados de figura. Mais: a pesquisa do SPC descartou entrevistados que não gostam de futebol. Isso porque o valor que elas gastam com futebol, por exemplo, quase nada, puxaria a média toda para baixo, e o intuito do órgão era entender padrões de consumo do torcedor, não da população. Tenha em mente: a pesquisa tem limitações. Mas é um bom ponto de partida para qualificar o debate sobre os milhões de apaixonados por futebol.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/