Um novo jeito de torcer
POR RAFAEL ALBERICO*
"Você pode alternar as posições entre o Mahrez e o Okazaki, deixando o Vardy mais solto, com a preocupação apenas de fazer gols. Eles costumam se entender melhor com essa formação e, nessa temporada, já foram 15 vitórias por 2 gols de diferença jogando assim. Essa formação tem tudo a ver com o estilo da Premier League."
O diálogo acima poderia muito bem ter acontecido antes de uma partida de videogame entre dois garotos, com idade entre 12 e 18 anos. Em uma única temporada, os dois jovens da conversa virtual já conhecem mais a escalação, as estatísticas e o plantel do Leicester City, atual zebra e líder do campeonato inglês, do que as mesmas informações das principais agremiações brasileiras, os chamados e decantados grandes clubes do país.
A situação reflete o atual panorama da mais nova geração de torcedores e fãs brasileiros do futebol. Com a possibilidade de acessar informações em um contexto de consumo global, como aceitar a baixa qualidade técnica e de espetáculo que norteiam os campeonatos mais importantes de futebol que acontecem no Brasil? Cada vez mais motivados por fatores ligados ao entretenimento, astros, games, transmissões dos principais torneios do mundo e redes sociais, esses jovens torcem para diversas equipes ao mesmo tempo, não se importando mais, inclusive, de serem chamados de "bandeirinhas". É a revolução silenciosa das arquibancadas. Ou melhor, do sofá. Ou melhor, dos computadores. Enfim.
Quanto mais alto, maior o tombo. O futebol brasileiro retrocede com a força e a velocidade que só as antigas glórias de uma equipe pentacampeã conseguiria. A falta de visão e de gestão por parte dos ultrapassados dirigentes das equipes nacionais se traduz em competições pouco atrativas quando comparadas aos grandes campeonatos europeus. Feche os olhos e compare por um segundo: Paulistão ou UEFA Champions League? Brasileirão ou Premier League? Se você, mesmo de olhos fechados, sorriu com o canto da boca, entendeu a mensagem.
Uma nova era começou e os dirigentes brasileiros ainda não se deram conta. Os avanços tecnológicos (leia-se internet, videogames, fantasy leagues, transmissões via streaming e afins) mudaram a maneira de torcer e a forma como os jovens se relacionam com o produto futebol. Se envolver com um clube agora acontece por intermédio de diferentes ações e iniciativas que fazem parte de um pacote de relacionamento que entrega um produto esportivo de qualidade. Os gestores esportivos brasileiros que ignorarem esse fenômeno social estarão fadados ao fracasso, assim como os clubes.
Em minha recente pesquisa de mestrado, descobri dados alarmantes que já apontam para torcedores que não possuem qualquer tipo de vínculo com clubes brasileiros. Esses jovens, em número que cresce a cada dia, apresentam características de identificação com times da Europa que já se misturam com seus valores e que mudaram suas vidas. Aprender catalão para acompanhar mais de perto o Barcelona de Messi e Neymar ou fazer parte de torcidas organizadas que frequentam pubs nas manhãs de domingo para acompanhar o clube europeu do coração são apenas alguns exemplos das situações já relatadas.
Ainda há dúvidas de que o bonde passou?
Assim como o tempo, que voa, as equipes europeias agradecem, dando um show de bola e de estratégia em sua gestão, ocupando esse claro vácuo deixado pelos nossos dirigentes e, com isso, conquistam os corações e os bolsos dos nossos jovens torcedores. Pobre futebol pentacampeão.
*Rafael Alberico é mestre em gerenciamento esportivo e é membro pesquisador do Grupo de Pesquisas em Comunicação e Marketing no Esporte da Escola de Educação Física e Esporte da USP.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/