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Blog do Juca Kfouri

Crueldade com Anderson Silva

Juca Kfouri

24/02/2015 09h54

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Juca, eu não me conformo que a desinformação sirva de referência para que as pessoas repitam, cansativamente, as ladainhas ridículas de acusações desprovidas de nexo. Por isso escrevi o texto abaixo, que você pode usar como melhor lhe aprouver.

POR SABINO VIEIRA LOGUERCIO*
Tal qual você (li no seu blog), tenho cá minhas dificuldades em conceituar a prática do MMA como um esporte, por não saber se a violência, praticada com técnica, é tão diferente da outra. Mas, obviamente, devemos respeitar os apaixonados por essa modalidade, que não são poucos.

Tal posição não nos impede de protestar, com veemência, contra a crueldade sofrida por Anderson Silva. Mais uma, na longa história de deboches que as entidades esportivas nos proporcionam.

O antidoping de caráter punitivo é antiético, anticientífico, inconstitucional e uma clamorosa agressão aos direitos humanos.

Antiético, porque os princípios gerais de proteção à dignidade do ser humano não admitem que seja levado ao conhecimento público o que se passa no interior do organismo de alguém, salvo se o interessado permitir.

A legitimidade jurídica, porém, só terá suporte se constarem, em documento assinado, os detalhes sobre todas as possibilidades de o procedimento laboratorial não expressar a verdade.

Esse cuidado é de tal forma importante que, há bastante tempo, os laboratórios de análises clínicas vêm submetendo ao juízo crítico do médico, os resultados registrados em seus exames, pela simples razão de que há elementos pré-analíticos em jogo e cabe ao médico, à luz de conhecimentos complementares, a palavra final.

Anticientífico, porque, ainda que admitamos a confiabilidade nos exames bioquímicos, estes não retratam o que se passa na intimidade biológica, extremamente complexa, e que faz de cada ser humano um universo único.

Particularidades genéticas, imunogênicas, metabólicas, injunções ligadas ao ritmo circadiano, dieta, hábitos de vida, indução enzimática, interações de toda ordem e uma série interminável de outros mecanismos justificam a aludida preocupação dos profissionais de laboratório.

Exemplos de erros existem às centenas, mas o que ocorreu com a maratonista argentina Sandra Torres é emblematicamente definitivo.

Ela usava, sob receita médica, para corrigir alterações na área ginecológica – e com plena autorização do Comitê Olímpico Internacional – o hormônio NORETINDRONA.

Ao ser flagrada no antidoping pela detecção urinária de 19-NORANDROSTERONA (proibida), ficou perplexa, pois nunca usara tal droga. Foi então que, amparada por médicos e juristas, provou, de forma inequívoca, através de repetidos testes, que, NO SEU ORGANISMO, a NORETINDRONA transformava-se em 19-NORANDROSTERONA.

Foi então inocentada.

Inconstitucional, porque há uma cláusula pétrea, na Constituição de qualquer nação civilizada, a advertência que, no caso da Constituição da República Federativa do Brasil, está assim redigida, no Art. V, inciso X: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

Conquanto se possa admitir que o esporte deva ter legislação própria, as cláusulas pétreas não podem ser transgredidas.

Não se permite, pois, que alguém seja levado à execração pública com base num mero exame laboratorial.

Essa afronta ostensiva aos direitos humanos precisa ser combatida, com energia e persistência, por pessoas que guardam o mínimo respeito pela dignidade de qualquer criatura.

No caso de Anderson Silva, todos sabem que ele sofreu uma fratura e tomava esteroides anabólicos para fortalecer a musculatura da perna esquerda atingida.

O que foge ao conhecimento geral é a circunstância de que, enquanto alguns eliminam os esteroides em uma semana, outros levam muitos meses para fazê-lo. 

E os orientais, como você sabe, simplesmente não os eliminam na urina.

Há tanto mais a comentar que caberia num livro. Será que este já não existe?

*Sabino Viera Loguercio é médico e autor do livro acima.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/