Topo

Blog do Juca Kfouri

Grêmio não pode ser punido

Juca Kfouri

02/09/2014 17h19

IMG_2241.JPG

POR WALTER FANGANIELLO MAIEROVITCH*

Cum grano salis.
No tempo do império, um jurista romano, Paulo, advertia ser o Direito "a arte do bom e do equitativo" e os jurisconsultos para o "summum jus, suma injuria", ou seja, o exercício do Direito em excesso gera injustiças, injúrias excessivas.

Pois bem, essas regras atravessaram séculos.

Agora, parece ter chegado o momento de ingressar pelas quatro linhas dos campos futebolísticos e habitar as mentes dos cartolas que integram os tribunais esportivos, em especial para se evitar o cometimento de injustiças.

Destare, vou tocar no tema das sanções em face de recentes injúrias racistas e de crime de racismo:

injúria racista é crime previsto no artigo 140,parágrafo 3º.,do Código Penal e foi perpetrado pela torcedora gremista que ofendeu o goleiro santista Aranha, e, racismo, materializou-se no canto gremista a ofender, sem pessoa determinada, identificável no momento, torcedores rivais de cor negra de pele.

No campo jurídico a legislação entendeu em atribuir, em certos casos e a clubes esportivos, a denominada "responsabilidade objetiva", também chamada de responsabilidade sem culpa e onde basta a comprovação de um fato lesivo a terceiro.

Um exemplo: a responsabilidade civil do pai por ato ilícito do filho menor de idade que causa um dano patrimonial a um vizinho.

O Grêmio, por evidente e no campo da responsabilidade objetivo, não pode lavar as mãos com a simples alegação de não atuação com dolo ou culpa. Mas, a sua responsabilidade deve ser apurada, — e mais uma vez como ensinavam os romanos–, "cum grano salis" (com um grão de sal, ou seja, com temperança).

Quando se identifica o torcedor-ofensor entra-se no campo da responsabilidade subjetiva, também chamada de responsabilidade por dolo (intencional) ou culpa: ser flagrada a xingar pessoa certa, determinada, ou melhor, o goleiro Aranha e de modo a atingir atributos ético-morais (dignidade) e o seu decoro (atributos intelectuais e físicos).

Com a descoberta da autoria nasce a responsabilidade subjetiva, na hipótese criminal (processo criminal) e civil (reparação do dano por indenização em dinheiro).

Por outro lado, a regra do bom direito é de aliviar ou excluir a responsabilidade objetiva do clube.

Caso contrário, de dupla punição, teremos sanção dobrada e caracterizadora de mera vingança.

Um tipo de "bis in eadem" futebolístico (punir duas vezes pelo mesmo fato quando uma responsabilidade, na hipótese, exclui a outra).

Mais ainda: por parte da agremiação esportiva não ocorreu dolosas coautoria ou participação criminal.

Em outras palavras, a propalada sanção ao Grêmio, (e já se fala em eliminação, perdas de pontos, etc, etc), não tem cabimento quando se consegue identificar a autora do crime.

Frise-se, também, não se tratar de associação desportiva (Grêmio) fautora, incentivadora, de atos racistas ou contrários a existência de uma sociedade multicultural e respeitosa dos diversos modos e estilos de vida, de cultura e cores.

Quanto ao antigo grito racista ( enquadrável como crime de racismo no artigo 20 da Lei 7716-1989) vociferado por torcedores gremistas não identificados, com oposição de outros da mesma agremiação, deve-se levar em conta o fato de o Grêmio, pela sua presidência ( e os jornais informaram a respeito), haver encarecido aos torcedores para não mais o entoar.

Melhor colocando, não carregar em sanção despropositada.

*Wálter Fanganiello Maierovitch, 67, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, professor visitante da universidade de Georgetow, conferencista internacional, assessor para a União Européia e especialista convidado em direito criminal-constitucional pelas Nações Unidas para a Conferência sobre Crime Organizado Transnacional e para Assembléia Especial sobre o fenômeno das drogas ilícitas. É titular da Academia Paulista de Letras Jurídicas e da Academia Paulista de História. Pela luta contra a criminalidade, é Cavaliere da República Itália, por ato da Presidência da República.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/