Antiga Vila da Copa pode ser palco de confronto entre moradores e polícia em BH
Desocupação de terreno destinado a uma vila que abrigaria turistas e jornalistas durante a Copa do Mundo contará com 2 mil policiais e pode deixar 8 mil sem moradia em BH
por Leonardo Dupin, Pedro Castro e Felipe Figueiredo*
A Copa do Mundo pode deixar um legado trágico na capital mineira. A pedido da Prefeitura de Belo Horizonte, comandada há seis anos por Marcio Lacerda (PSB), oito mil famílias estão na iminência de serem desalojadas de um terreno de 10 km2 no Bairro Isidoro, na Zona Norte da cidade. A operação de reintegração de posse deve envolver cerca de dois mil policiais militares e pode acontecer a qualquer momento. Não há plano de realocação dos moradores. Parte das terras pertence ao município.
Após 40 anos de abandono, o local tornou-se alvo de cobiça de grandes empresários, alavancada principalmente pela construção da nova sede do governo mineiro, a chamada Cidade Administrativa. Em março de 2010, a prefeitura divulgou um projeto que previa para o local a construção de um bilionário empreendimento, chamado "Vila da Copa", onde seriam construídos, até 2014, prédios, com cerca de 3 mil unidades habitacionais, que abrigariam turistas e jornalistas que viessem acompanhar a Copa do Mundo, além de um centro comercial e de serviços. O que não aconteceu.
Passado o evento, o projeto foi alterado e fala-se na construção de edifícios de alto luxo no local. Apesar da informação já ter sido veiculada na imprensa, a assessoria da Direcional Engenharia negou que serão construídas moradias que não sejam para suprir o déficit habitacional de Belo Horizonte, hoje em torno de 62,5 mil moradias. Em nota, a empresa informou que: "o empreendimento terá 13,14 mil apartamentos e vai ocupar 32% da propriedade particular de 3,5 milhões de metros quadrados".
A afirmação é contestada pelos moradores e apoiadores das ocupações. "O Minha Casa, minha Vida tem servido como desculpa, mote para a realização do despejo. É só para abrir terreno, depois virá todo o resto e, com certeza, não se tratará de habitação social," afirma Isabella Gonçalves, integrante das Brigadas Populares, que auxilia a ocupação.
Especulação imobiliária
A área da Granja Werneck é vizinha ao local onde será construído um Rodoanel, via que interligará diversos municípios na Região. É também próxima à Cidade Administrativa, projeto concluído em fevereiro de 2010, que elevou o preço dos imóveis na região.
Em maio de 2010, a Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte aprovou um projeto de lei da Prefeitura (PL 808/09), que alterou a Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo, flexibilizando o uso do terreno em parâmetros extremamente rentáveis para a construção de prédios na área, que era considerada de preservação, a última grande área verde da cidade.
Com as mudanças nas regras, o local pode receber prédios em áreas de 5 mil metros quadrados, em detrimento de casas de até mil metros quadrados, como era determinado na antiga lei. Com isso a permissão para construir no local saltou de 16,3 mil para 72 mil unidades habitacionais. Transformando-se num negócio estimado em R$ 15 bilhões.
Quem comanda as obras
Principal interessada na reintegração de posse do terreno na Granja Werneck, a Direcional Engenharia pode ter seu presidente, o engenheiro Ricardo Valadares Gontijo, condenado por incentivar a prática de improbidade administrativa e enriquecimento ilícito de agentes públicos, e proibido de firmar convênios com o poder público, o que impediria a empresa de assinar contratos do programa Minha Casa Minha Vida.
Ele é réu em ação apresentada pelo Ministério Público de São Paulo por ter beneficiado o prefeito de São José do Rio Preto, Valdomiro Lopes (PSB), e o ex-procurador geral do município, Luiz Antônio Tavolaro, em busca de favorecimento em contrato do programa habitacional. No caso de Belo Horizonte, se o terreno na Zona Norte da cidade não estiver desocupado até 30 de agosto, o contrato firmado com a Caixa Econômica Federal e a prefeitura, no valor de R$ 796,160 milhões para construção de 8.896 apartamentos será cancelado.

Indicado ao prefeito de Rio Preto por um funcionário da Caixa em Brasília, Gontijo saiu de BH em seu jatinho Citation III em 13 de janeiro de 2010, e buscou Valdomiro, Tavolaro e o lobista Alcides Fernandes Barbosa em Brasília. Em seguida, os quatro foram a São José do Rio Preto para visitar terrenos que possivelmente seriam destinados à construção de habitações populares, mas o negócio não foi fechado. O processo aguarda julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Parte de um império empresarial dirigido pelos irmãos Luiz Celso, Ronaldo e Ricardo Gontijo, e de um dos grupos que mais têm contratos do Minha Casa Minha Vida no país, a Direcional Engenharia é também generosa em doações de campanha eleitoral no estado. Em 2010, a empresa doou R$ 170 mil para Antônio Anastasia (PSDB), R$ 80 mil para Aécio Neves (PSBD), R$ 150 mil para Rodrigo de Castro (PSDB) e R$ 6 mil para Fernando Pimentel (PT).
Em 2008, o comitê financeiro municipal para prefeito do PSB, que lançou como candidato o atual prefeito Marcio Lacerda, recebeu R$ 140 mil da Direcional.
O despejo
A iminência de despejo das ocupações do Isidoro remete ao episódio de Pinheirinho, em São Paulo, em que, em janeiro de 2012, 1.500 famílias foram violentamente despejadas de um terreno cerca 1,3 km2.
A Granja Werneck tem 10 km2, onde atualmente vivem cerca de 8.000 famílias em três ocupações (Esperança, Vitória e Rosa Leão). Somente as crianças, são mais 10.000. Tanto assim que na terça-feira (12/08), o Juiz Marcos Paula, da Vara da Infância e da Juventude, suspendeu a ação de despejo acatando ao pedido da promotoria da Infância e Juventude.
A liminar afirmava que crianças, adolescentes e seus pais não poderiam ser retirados de suas casas sem que a prefeitura apresentasse um plano de alocação escolar para eles. Entretanto, no dia seguinte a desembargadora Selma Marques derrubou a liminar e autorizou mais uma vez o despejo das famílias, que atualmente encontram-se sobre ameaça.
Redes de apoio
Diante dos fatos, cerca de 500 docentes do ensino superior do Brasil e do mundo assinaram um abaixo em que afirmam que especulação imobiliária não pode se sobrepor aos direitos humanos das famílias que fizeram do Isidoro o seu abrigo e a sua comunidade. Intelectuais da envergadura de Nancy Fraser, Boaventura de Sousa Santos, Ricardo Antunes e Virginia Fontes.
Apoiadores da ocupação criaram também uma campanha nas rede sociais em que diversas pessoas vem postando fotos com cartazes com os dizeres "resiste, Isidoro".
https://docs.google.com/document/d/1RDSfPfFNVT1Kek2e-BFtPspySvgK0_3H13uqn8pUsu0/mobilebasic
https://www.facebook.com/resisteisidoro?fref=ts
* Os três autores são jornalistas
Crédito das fotografias: Bruno Figueiredo/Odin e Isabella Miranda
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/












