Os heróis também choram
POR RAÍ*
Quero apresentar outra perspectiva da história de ver o copo meio cheio ou meio vazio. Só que, dessa vez, não serão copos, mas atletas. Em vez de falar do líquido que compõe 70% do corpo humano, falarei de lágrimas.
Quando qualquer humano passa por fortes emoções, momentos únicos, pressão intensa, seus olhos marejados representam o limite, pronto para derramar todo o seu envolvimento transformado em lágrimas. Nenhum atleta, até hoje, passou pelo que estão passando nossos jogadores – e, até por isso, ninguém tem direito de julgar o desconhecido.
Provoco aqui um outro lado da moeda. Como, depois de chorar tanto, o Julio Cesar fez aquelas lindas defesas? Como pode o David Luiz jogar tão bem e, depois de se emocionar ao extremo, cobrar aquele pênalti com tanta precisão? Como pode o capitão Thiago, com tamanho peso nas costas, ter atuações impecáveis?
Para mim, os meninos já são heróis. Explico: em razão (e apesar) das mazelas da CBF, a seleção, incluindo comissão técnica, foi formada há pouco mais de um ano. Eles ganharam a Copa das Confederações em um País em plena e rara ebulição social. Disputam a Copa no Brasil, 64 anos depois de um trauma nacional, sob pressão quase sobre-humana.
Pensando friamente, o realmente inesperado foi o título do ano passado, e não as dificuldades contra a ótima equipe chilena. Quando a Alemanha lançou os jovens Müller e Özil, em 2010, diziam que eles estavam se preparando para o futuro. Mas, no Brasil, é diferente: os jovens Oscar, Neymar e Willian não têm escolha, é ganhar ou ganhar.
Claro que não posso deixar de enxergar também a parte frágil do copo: há um esquema tático a ser aperfeiçoado. Mas isso o Felipão já está resolvendo. Com boa estratégia, você se cansa menos, rende mais e se sente mais seguro.
Que o Thiago Silva é um dos líderes do time, não há dúvidas. Que ele se descontrolou mais do que o esperado para um capitão, também. Fui capitão em todos os times vencedores em que joguei. Sempre havia diferentes tipos de lideranças. Não se ganha uma competição importante apenas com um líder.
Se eu tivesse chorado, desabafado mais, quando fui "massacrado" nas Eliminatórias, em 93, depois de ter sido o melhor jogador do Brasil por três anos seguidos, talvez, mais leve, tivesse sido um dos protagonistas em 94. Quando não choramos, outras partes do nosso corpo é que sofrem. Muito melhor uma reação em lágrimas do que mordidas ou cabeçadas.
Se alguém duvida de que nossa seleção brasileira tem condições de ser campeã, é só perguntar se algum oponente quer nos enfrentar.
O que vemos escorrer nos rostos de nossos heróis não é medo, mas gana de vencer sob pressão absurda. Como se balançássemos um copo cheio. Ele derrama, mas continua cheio. O que eles precisam, além de alguns acertos táticos, é da nossa confiança. Para voltarem a nos encantar e, no dia 13 de julho, nos fazer, a todos, chorar!
RAÍ, no jornal "O Estado de S.Paulo", de ontem.
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