Desonestidade disseminada
POR CLAUDIO WEBER ABRAMO*
Os dentes cravados pelo uruguaio Luis Suarez no ombro do italiano Giorgio Chiellini revelam mais sobre a forma como o jogo de futebol é disputado do que apenas mais um excesso de um jogador que, a julgar por seu comportamento pregresso, parece afetado por alarmante desequilíbrio mental.
Coisa que parece também ter acometido ninguém menos que o presidente do Uruguai, José Mujica, que saiu dizendo que só o que interessa é que o cara joga bem futebol. Bela mensagem a seus governados: não importa que você seja maluco ou desonesto.
Suarez já mordeu dois outros adversários (ao que se saiba foram só dois, mas a esta altura é lícito especular que podem ter sido muitos mais).
Em condições normais, alguém com tais traços teria dificuldade em arranjar emprego.
Há gente doida de pedra no ambiente musical, no teatro, no jornalismo e em qualquer outra atividade.
Mas creio que alguém que repetidamente ataque outras pessoas a dentadas não teria como persistir na atividade.
No futebol é diferente. Por que isso?
O que me leva a especular sobre outros comportamentos que se encontram disseminadamente no futebol e que, em condições normais, teriam consequências.
Em uma Copa do Mundo o jogador argentino Diego Maradona fez um gol de mão que resultou validado porque o árbitro não percebeu.
Em vez de ser condenada, a fraude (pois é do que se trata) costuma ser cantada como genialidade, tendo sido entronada no Panteão dos heróis da pátria platina como "la mano de Dios".
Torcedores, comentaristas, políticos etc. (vai ver, até o Papa) se orgulham de algo que deveria causar vergonha.
Igualmente desonesta foi a atitude do jogador brasileiro Rivaldo em alguma Copa dessas, quando, ao se preparar para cobrar um escanteio, fingiu ser atingido no rosto de propósito por uma bola chutada por um adversário, o que resultou na punição deste.
O comportamento jamais poderia ser encarado como "recurso válido", conforme certos comentaristas fazem.
Uma fraude comum é cavar faltas, visto como natural por hordas de pessoas. Acham aceitável que, sem que nada tenha acontecido, um sujeito se atire ao chão aos berros no intuito de enganar o árbitro.
Acompanha a cena com caras e bocas de indignação, o que reforça a intenção fraudulenta.
Desonestidade é desonestidade, não outra coisa qualquer. Simular pênaltis, como fizeram Fred e Diego Costa na presente Copa do Mundo, é picaretagem, e não outra coisa qualquer.
O que explicaria a disseminação de embustes no volume que se verifica no futebol?
De quem seria a responsabilidade senão dos técnicos e dirigentes? Por que os técnicos, em particular das divisões de base, não esculhambam os aprendizes que começam a vida profissional na base da mentira?
É bom ver que simulações, em particular, são muito desaprovadas em alguns ambientes. Há, contudo, demasiados outros em que não são. Os jogos da Copa de 2014 bem mostram quem é quem nesse particular.
Especulo que até se poderia montar uma espécie de "índice de imoralidade" de países a partir do número de vezes que jogadores fazem isso.
*Claudio Abramo é diretor executivo da Transparência Brasil.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/