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Blog do Juca Kfouri

Portugal descobre a Fifa

Juca Kfouri

05/05/2014 18h57

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Depois de amanhã já estará em pré-venda pela Editora Gryphus e, no dia 12, nas livrarias, no Brasil, um livro que faz grande sucesso em Portugal, do jornalista Luís Aguillar, cuja entrevista você lê a seguir:

Quando o livro foi lançado?

O livro foi lançado no final de Setembro de 2013. Desde logo despertou muito interesse mediático em Portugal por abordar os maiores podres da FIFA. Um mês depois dá-se a célebre conferência de Sepp Blatter, em Oxford, onde goza com Cristiano Ronaldo. Após aquela triste figura do presidente da FIFA, o livro ganhou ainda mais peso. Isso contribuiu para que o público português passasse a olhar com muito mais atenção para as manobras escuras dos dirigentes da FIFA.

Ele foi traduzido em outros idiomas?

Para já tem duas edições: a portuguesa e a brasileira. O Brasil era um dos primeiros países onde o livro poderia sair porque, infelizmente, os brasileiros estão a sofrer na pele com as práticas incorrectas da FIFA na organização do Mundial.

Como foi a repercussão na imprensa?

Em Portugal ainda está a ser um fenómeno mediático. A FIFA continua a ser tudo menos transparente e dá uma ajuda para que o livro permaneça na ordem do dia.

Você sofreu algum tipo de represália? Chegou a ser processado ou algo neste sentido?

Não cheguei a ser processado nem tenho qualquer receio caso isso aconteça. Toda a informação que utilizo está documentada. Todas as fontes a que recorri estão assinaladas. Sei que a FIFA analisou o livro para ver se encontrava forma de processar (como fazem sempre com todos os trabalhos que exponham as suas práticas mais negras), mas, provavelmente, desistiram quando viram que não tinham por onde atacar e ganhar.

Quais as três histórias mais "chocantes" que estão reunidas no livro?

É difícil escolher só três. Deixo aqui um excerto de um dos capítulos que resume o livro, e a FIFA, da melhor forma: «Intriga, subornos, compra de votos, venda ilegal de bilhetes, dirigentes racistas, amizades com governantes violadores dos direitos humanos. Suspeitas de tráfico de droga e armas. Tudo sob a égide de lemas tão apelativos como "for the good of the game" ou "my game is fair play".» Este é o mundo da FIFA do qua falo no «Jogada Ilegal». São muitos os casos deste género presentes no livro. Como o escândalo dos subornos pagos a João Havelange e Ricardo Teixeira pela empresa ISL. Como o grande negócio de venda de bilhetes de mercado negro do antigo dirigente Jack Warner. Como os subornos pedidos (e aceites, em alguns casos) por vários elementos do comité executivo da FIFA na atribuição dos Mundiais de 2018 e 2022 a Rússia e Qatar, respectivamente. Como a capacidade de sobrevivência de Blatter, sempre Blatter, de passar pelos intervalos da chuva enquanto atraiçoa antigos aliados para se manter no poder. Ou a forma que Jerome Valcke encontrou para se manter na FIFA, com um cargo mais alto, depois de ter sido despedido pelo mesmo organismo após ter sido condenado por fraude num processo com a MasterCard. Segundo Romário, terá chantageado Blatter. É provável. Ainda temos também o passado de João Havelange na sua relação com a venda de armas, com as ditaduras militares que aterrorizaram o Brasil durante anos e os alegados subornos que pagou, com o patrocínio de Horst Dassler, para chegar à presidência da FIFA. São muitos os casos chocantes e inacreditáveis que envolvem a FIFA e estes homens. Escolher três, como disse no início, é complicado. A oferta de aberrações made in FIFA, infelizmente, é enorme, extensa e não pára de crescer. A cada momento.

Comente sobre as atitudes racistas dos dirigentes da Fifa, por favor. Qual o caso mais conhecido?

Racismo na FIFA é sinónimo de Julio Grondona, vice-presidente do organismo e um dos mais antigos. Um dinossauro dentro da FIFA. A 5 de Julho de 2003, Grondona deu uma entrevista a uma estação da televisão argentina em que explicou porque não existiam árbitros judeus na primeira divisão do país: «Não acredito que um judeu possa ser árbitro a esse nível porque é um trabalho duro e os judeus, como sabemos, não gostam de trabalho duro.» Mais tarde, Grondona desculpou-se, dizendo que se tratou de um equívoco e que alguns dos seus melhores amigos até são judeus. Blatter defendeu o seu «vice»: «O señor Grondona é um monumento. Desempenha um grande trabalho na América do Sul e somos amigos para sempre. Juntos, vamos defender o futebol e a transparência na FIFA.» Juntos, têm feito tudo menos prestar um bom serviço ao futebol e fazer da FIFA um organismo transparente. É difícil acreditar que a FIFA alguma vez venha a ter uma política forte contra o racismo quando o mesmo é praticado e vulgarizado pelos seus próprios dirigentes, como aconteceu neste caso com Grondona e Blatter. Apesar das frases feitas, como «tolerância zero», há uma grande diferença entre as palavras e as sanções. Na sequência do gesto de Kevin Prince Boateng (abandonou o campo no início de 2013 depois de sofrer insultos racistas num amigável entre equipas italianas), a FIFA condenou a Hungria e a Bulgária a realizarem um jogo da qualificação para o Mundial 2014 à porta fechada, por infracções de carácter racista. Um jogo não é o melhor exemplo de «tolerância zero». No recente jogo entre Villarreal e Barcelona, Dani Alves fez mais contra o racismo em segundos (quando agarrou a banana) do que a FIFA em várias décadas.

Qual a sua expectativa sobre a realização do Mundial no Brasil? Você já teve acesso há algum problema? Todos os dias os jornais daqui apontam manobras "obscuras" da FIFA…

No início, pensar numa Copa realizada no Brasil era um sonho tornado realidade para todos os adeptos do futebol mundial. Mas a FIFA exigiu todo o tipo de garantias governamentais, como a total isenção fiscal, e o governo brasileiro, juntamente com a CBF, tem dançado ao som da música que vem de Zurique. É como diz Romário: «A FIFA chega, monta o circo, leva tudo e não gasta nada.» É inadmissível que o Mundial do Brasil já tenha custado mais do que os dois anteriores juntos (Alemanha e África do Sul). Compreende-se que o povo brasileiro esteja descontente e venha para a rua manifestar-se. Não admite o futebol a qualquer custo. Não admite estar a ser roubado pela FIFA e pelo seu próprio governo com a desculpa do Mundial. E essa atitude dos manifestantes aplaude-se. A violência, claro, é sempre de reprovar. Mas as manifestações pacíficas merecem todo o meu apoio. O direito à indignação é das poucas coisas que resta às pessoas perante escândalos de corrupção tão bem orquestrados como este que está a ser conduzido pela FIFA e seus aliados no Brasil. Acredito que vamos ter mais manifestações durante a Copa. Só espero que não descabem em violência porque a violência nunca é solução para denunciar as injustiças. Fora tudo isto, sou um adepto de futebol. Ao expor estas práticas ilegais da FIFA não estou contra o futebol nem contra o conceito de Mundial. Adoro este jogo. O futebol é uma das mais bonitas formas de arte que existe. E merece ser representado por gente séria, honesta e transparente. O oposto daquilo que acontece na FIFA desde os tempos em que Havelange assumiu a presidência (1974). Fiz este livro para os adeptos de futebol do mundo inteiro. Têm o direito de saber a verdade sobre as manobras sujas das pessoas que controlam este jogo. O futebol e os seus torcedores merecem muito mais e melhor do que esta FIFA. Espero que o Mundial seja fantástico dentro do campo. Só os jogadores e treinadores podem salvar este Mundial. Porque a FIFA tem feito tudo para manchar o Mundial do Brasil. Mas também acredito que os protestos que vimos possam vir a ser um ponto de viragem importante. Antes da Taça das Confederações, o resto do mundo nunca iria pensar que os brasileiros se iriam revoltar contra os elevados gastos na organização da Copa. Isso podia acontecer em qualquer lado, mas nunca no Brasil. E o povo que foi para as ruas deu um exemplo ao resto do mundo. Se os brasileiros não aceitam esta palhaçada, devemos apoiá-los. Estão certos e o caminho é este: continuar a expor os podres da FIFA para que os mesmos cheguem ao maior número de pessoas. A liberdade de expressão do Brasil tem sido um problema para Blatter e companhia. O próprio Valcke admitiu quando disse que o Brasil tem excesso de democracia e isso não dava muito jeito para organizar o Mundial. Claro! Preferem países como a Rússia e o Qatar. Países com pouca (ou nenhuma) liberdade de expressão, onde as pessoas têm medo de se manifestarem. No Brasil, há gente nas ruas, na televisão e no parlamento a dizer que a FIFA não manda no país. Há gente com coragem que tem dado um grande exemplo ao resto do Mundo. Acredito que este Mundial, por tudo o que está a acontecer e pelo que ainda pode vir a ter lugar, ficará para a história como o primeiro grande Mundial em que as práticas nocivas da FIFA não passaram despercebidas.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/