Topo

Blog do Juca Kfouri

Não são apenas jardas...

Juca Kfouri

02/02/2014 20h45

POR SERGIO LIMA*

Lá se vai outro Super Bowl e com ele o fim de mais uma temporada do campeonato esportivo mais rentável e bem organizado do planeta.

Os seguidos bons resultados alcançados pela liga nacional de futebol americano, ou NFL, mesmo durante os anos de crise econômica não podem mais passar despercebidos.

Num país repleto de alternativas para um entretenimento de boa qualidade, o sucesso desta liga deve ser comemorado por todos torcedores que sonham em ver as equipes para que torcem sendo respeitadas e valorizadas ao extremo.

E como em todos os casos de sucesso observados no mundo das empresas responsáveis por grandes marcas, tudo na NFL é pensado e executado por profissionais cuidadosamente escolhidos e contratados a peso de ouro. O comissário da liga, Roger Goodell, por exemplo, tem rendimentos anuais beirando os 30 milhões de dólares enquanto diversos de seus executivos recebem salários superiores aos 10 milhões ao ano.

Como em qualquer empresa de ponta, cabe a estes profissionais continuar fazendo da liga um "negócio" maior e mais forte a cada temporada, seja no que se refere a qualidade do jogo, ao interesse dos fans e ao faturamento, hoje de 9 bilhões anuais e com objetivo de chegar aos 25 bilhões até o ano de 2027.

Seja através de pesados investimentos para oferecer uma melhor experiência audiovisual a quem compra os ingressos para ver ao vivo, ou por meio de parcerias com bancos de investimentos para capitalizar empresas que consigam inventar algo que melhore a experiência dos torcedores de estádio, ou ainda pela adoção de políticas sustentáveis com altíssimos níveis de reciclagem, onde estádios como o do Filadélfia Eagles, por exemplo, já tenham instaladas até torres eólicas e painéis solares, a verdade é que os executivos da NFL não param de buscar por inovações e melhorias que agradem sua majestade o bom torcedor.

Ao mesmo tempo e longe da atenção das câmeras ou mídia, a liga tem colocado em prática um agressivo sistema de identificação de torcedores problema e pouco a pouco os tem excluído de seus eventos.

Mas é sempre importante lembrar que este enorme sucesso faz parte de uma cultura de bons executivos iniciado lá atras. O comissário atual e sua equipe colhem hoje, embora mantenham com brilhantismo, muito do que foi plantado por gerações de visionários que antes dele fizeram as mudanças necessárias e responsáveis por muito do que a liga é hoje.

Desde cedo aqueles profissionais perceberam a importância de terem controle total sobre a qualidade e distribuição das imagens, por isso, jamais permitiram que nenhuma das decisões sobre quaisquer aspectos das transmissões dos jogos ficassem nas mãos dos executivos das Televisões, mesmo quando isso significou receber menos.

Outro fator importante foi a identificação de que não era de interesse da liga ter seus jogos mostrados por apenas uma emissora. Hoje em dia, a NFL tem contrato com praticamente todas as grandes redes de TVs abertas e ainda toca seu próprio canal de TV, a NFL Network, que transmite no sistema fechado filmes de arquivo, programas especiais e jogos atuais e antigos 24 horas ao dia, tudo pensando no fan que não aceita ficar sem futebol durante os 6 meses em que a liga está em férias.

Mas o fator que muitos especialistas acreditam ser a principal razão pelo sucesso da liga de futebol americano é o formato de distribuição dos lucros. Décadas atrás, os donos dos times de mercados maiores e com muito maior poder de arrecadação, abraçaram a ideia de uma sociedade forte entre todas as equipes e apostando na super popularização de uma liga forte num futuro que certamente não viveriam para ver, abriram mão de grande parte de seus ganhos para que numa divisão igualitária, diversas outras equipes passassem de meras participantes a possíveis desafiantes. Times antes pequenos fizeram história, novas rivalidades, dinastias e heróis nasceram e tornaram-se lendas até hoje adoradas. O tiro dos executivos foi certeiro e a liga nunca mais parou de crescer e faturar.

É importante não se esquecer de quem faz o show em campo. Graças a acordos trabalhistas entre a NFL e a associação dos jogadores de futebol americano, há anos os atletas são verdadeiros sócios em boa parte do que a liga arrecada. No último acordo de trabalho entre as partes, por exemplo, ficou estabelecido que pelos próximos dez anos quase 50 por cento de todas as arrecadações da liga com mídias (direitos de TV, rádio e internet) deverão ser pagas aos jogadores em forma de salários e prêmios.

O acordo de 300 páginas vai muito além de tratar apenas de salários e chega ao ponto de detalhar a quantidade de dias e horas em que os jogadores poderão ser utilizados em treinos pelos patrões e que tipo de equipamentos os mesmos deverão estar usando em cada treino.

Neste mesmo acordo a liga aceitou criar um fundo superior a 700 milhões para ajudar ex-atletas e futuros ex-atletas da liga e seus familiares que estejam sofrendo ou que venham a sofrer por problemas de saúde causados por lesões relacionadas ao esporte.

Claro que a liga de futebol NFL está longe de ser perfeita e deve ter problemas que eu não conheço, mas até onde meus olhos conseguem enxergar, eles tem dado lição atras de lição a quem diz fazer esporte mundo afora e tem mostrado ser possível fazer do esporte algo lucrativo em que todos ganhem muito dinheiro desde que as partes envolvidas tenham capacidade para administrar em alto nível e adicionem valor ao negócio.

A NFL, assim como outras grandes marcas do esporte do mundo, não pretendem parar de crescer e para chegarem aonde pretendem em termos de faturamento precisam conquistar públicos jovens de países de terceiro mundo hoje totalmente desprezados pelos clubes locais.

Num mundo em constante processo de aproximação os grandes tendem a ficar cada vez maiores e os pequenos a desaparecerem para dar espaço a marcas fortes e mundiais.

A verdade é que não há mais espaço para amadores no futuro de qualquer administração esportiva no mundo. Ou se fazem mudanças radicais na forma de se dirigir os esportes nos mercados menos desenvolvidos ou veremos o quase desaparecimento de diversas marcas que um dia já foram gigantes.

@moneyandsports

*Sergio Lima é amigo do blog e vive nos Estados Unidos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/