Tijolaço em quem desrespeita o Estatuto do Torcedor
Depois que o blog publicou o parecer do advogado Carlos Eduardo Ambiel, que não advoga para a Portuguesa, houve quem se viu nu diante da lei maior e buscou argumentos para desqualificá-la
Pior, houve quem até escondeu que trabalhava para uma das partes interessadas.
O blog recebeu ontem mais esta contribuição, de um brilhante advogado, funcionário público concursado destes que orgulham nosso funcionalismo, de competência e seriedade que aprendi a admirar por ocasião da CPI da CBF/Nike. Também sem nenhum vínculo com nenhuma das partes.
São quase 20 páginas, um verdadeiro tratado, que os leigos entenderão e com o qual os especialistas, ignorantes ou facciosos, aprenderão.
Que a defesa da Portuguesa, ao menos, faça bom uso, até para dissipar as suspeitas de que houve mais que negligência.
Não editei por considerar que seria um pecado, mas você poderá constatar até alguns exemplos que mostram o STJD aplicando o Estatuto do Torcedor.
O que fica claro ao final da leitura é que se o STJD insistir no dia 27 em manter a decisão em primeira instância, qualquer pessoa que entre na Justiça comum anulará o decidido.
E aí, certamente, teremos um Brasileirão-2014 digno de ser chamado de Vergonhão, como o de 1997, porque com mais de 20 clubes.
Algumas considerações sobre o julgamento do STJD que rebaixou a Portuguesa
POR Dr. CARLOS LESSA*
Não é difícil para qualquer um do povo, principal destinatário das decisões da Justiça Desportiva, identificar que os personagens que militam nessa área defendem, em sua grande maioria, a independência e autonomia completas da Justiça Desportiva com relação ao Estado.
Creio que isso seja normal e admissível.
É de se supor que os principais doutrinadores na área esportiva, não obstante a importância que eles possuem e que todos reconhecemos, somente têm suas ideias acolhidas por parte da CBF e pelo STJD quando essas suas suas ideias se harmonizam com as da CBF. O STJD, tal como define seu Regimento Interno[1], é "órgão autônomo e independente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF)".
Ou seja, o STJD está contido na CBF, é um órgão da CBF.
Arrisco supor que os doutrinadores citados pelo STJD são juristas que têm um viés mais favorável à não intervenção do Estado na Justiça Desportiva.
Este parecer segue no sentido contrário e se apóia na intervenção estatal mínima e necessária.
Entre 2000 e 2001, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados, a CPI da CBF/Nike, teve dificuldades para fazer valer o entendimento do seu Relator, Deputado Sílvio Torres, sobre a eficácia da intervenção estatal em determinadas situações. Tanto que as investigações da CPI tiveram dificuldades em prosperar, diante da recusa das entidades envolvidas, especialmente a CBF, de prover informações.
Mesmo diante de obstáculos, a CPI da CBF/Nike obteve a quebra de sigilo da CBF, do seu ex-presidente e de outras pessoas físicas e jurídicas e pôde apresentar um relatório com provas de indícios de irregularidades, às quais leis federais e a competência da Comissão foram e são aplicáveis.
O relatório[2] não foi aprovado na Câmara[3] mas, no entanto, grande parte deste relatório foi aproveitada integralmente (coladas) no relatório da CPI análoga do Senado Federal, a CPI do Futebol[4]. Com isso, documentos e informações sobre as irregularidades apuradas regularmente pela CPI da Câmara tiveram publicidade oficial.
Atualmente persiste a sensação de que a CBF – e por extensão o STJD – tentam manter intacta e autônoma a sua área de atuação. A internet, por outro lado, mantém vivos os dados e fatos daquele período[5] que revelaram a possibilidade de intervenção limitada, claro, na área desportiva.
Essas informações publicadas em jornais na época se encontram agora disponíveis online, em especial a Folha de São Paulo, que acompanhou os trabalhos daquela comissão com atenção.
Novas tentativas de se evitar que leis federais exerçam algum tipo de influência na Justiça Desportiva ainda persistem. O Procurador Geral do STJD vêm buscando minimizar a força do Estatuto do Torcedor sobre as decisões da Justiça Desportiva. Tentam desconhecer comandos legais como se eles estivessem ali na lei como se fossem meros enfeites perfunctórios.
Menosprezam qualquer possibilidade de o Estado buscar direitos dos torcedores ou corrigir irregularidades das entidades esportivas, sempre tendo em mente a ameaça perene de desfiliação da CBF pela FIFA e outros argumentos tisunâmicos semelhantes.
A insistência do Procurador Geral do STJD Paulo Schmitt na sua tese
Depois que Juca Kfouri publicou em seu blog a visão do advogado Carlos Ambiel, que argumenta ter o STJD contrariado o Estatuto do Torcedor no caso em análise, a Folha noticiou em 20/12/2013[6] que advogados de peso como Ives Gandra Martins e Eduardo Arruda Alvim teriam apoiado os argumentos de Ambiel.
Mas Paulo Schmitt, o Procurador Geral do STJD, logo se adiantou para reduzir o impacto daquela novidade.
Diz o Procurador na sua (nova) defesa de sua "tese":
"Nada mudou na verdade após a edição das alterações do Estatuto. Tanto a exigência de publicação em órgão oficial como Diário da Justiça previsto no texto originário do Estatuto, como o seu complemento em 2010 para dar maior alcance e transparência através de publicação no site da CBF.
E por que nada mudou? Simplesmente porque não há uma relação direta entre a publicidade e transparência com a condição de validade e eficácia das decisões na Justiça Desportiva, que não se assemelha em nada com a Justiça Comum." (g.n.)
Como se observa facilmente, o Procurador, apesar de membro da Comissão de Estudos Jurídicos Desportivos do Conselho Nacional de Esporte (CNE) há muitos anos, não se recordou da minuta do novo Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) que se encontra no sítio do CNE e da qual certamente tomou parte ativa na elaboração e de seus debates.
Nessa versão, ainda não aprovada mas disponível no sítio do CNE, a Comissão e o CNE propõem que a publicação das decisões aconteça na forma da lei e não na forma da Justiça Desportiva como é hoje, o que é uma mudança radical (ver item 3).
Está claro que o CNE busca compatibilizar as regras previstas em lei hoje com o já ultrapassado CBJD, tal como fez na Reforma do CBJD de 2009/2010, como se verá a seguir. E o Dr. Procurador Schmitt sabe disso.
Ainda apresenta o Procurador uma versão falaciosa da relação do Estatuto do Torcedor com a Justiça Desportiva. Afirma ele que o Decreto 7.984 de 08/04/2013 no seu art. 40, prevê "que a Justiça Desportiva regula-se pela Lei 9615/98, pelo referido Decreto e pelo CBJD, e não pelo Estatuto do Torcedor.".
O Decreto não afirma que o Estatuto do Torcedor não regula a Justiça Desportiva. Nem poderia, pois se trata de um mero decreto regulamentador da Presidência da República. O Estatuto do Torcedor é uma lei federal aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, com status superior ao de um decreto e com rito complexo.
E quando o Estatuto do Torcedor, uma lei federal, afirma que as decisões da Justiça Desportiva devem ter a mesma publicidade das decisões dos tribunais federais e que devem ser publicadas na internet ela está de direito e de fato regulando procedimentos do tribunais de Justiça Desportiva. Tanto é assim que o artigo 36 declara serem nulas as decisões que não observarem o que foi disposto nos dois artigos anteriores.
Se o Procurador não gosta desta forma de intervenção estatal nas atividades da Justiça Desportiva, como sói acontecer muitas pessoas que circulam pelo STJD e pela CBF, isso é opinião pessoal e não pode ter força de doutrina e resultar em jurisprudência. Apesar de que, na mesma linha, muita doutrina por aí ser mero palpite.
O Procurador Geral afirma que o Estatuto do Torcedor não regula a Justiça Desportiva, o que, a nosso ver, não é verdade. Mesmo assim, o STJD vem se utilizando regular e normalmente do Estatuto do Torcedor na aplicação de penas, tais como se observa nas denúncias apresentadas pelos auditores em inúmeros casos, os quais argumentam ofensas ao Estatuto do Torcedor, como se pode comprovar no item 10, abaixo.
Além disso tudo, o Procurador contradiz o doutrinador e colega da Comissão do CNE, Álvaro de Melo Filho, como se verá a seguir.
Álvaro de Melo Filho – a submissão da Justiça Desportiva ao Estatuto do Torcedor
Álvaro de Melo Filho, membro da Comissão de Estudos Jurídicos Esportivos do Conselho Nacional do Esporte, tem publicado no sítio do Ministério do Esporte [7] trabalho sobre o CBJD.
Nele Álvaro esclarece que o CBJD já de 2009 estabeleceu o "Princípio Pro-competitione" (princípio da prevalência, continuidade e estabilidade da competição):
"Este princípio pro competitione vai ajudar a prevenir que a aplicação de sanções desportivas seja utilizada para a manipulação das competições, falseamento de resultados ou uso de artifícios jurídicos para alterar a classificação de campeonatos." (g. n.)
Pelo visto, é um princípio que o STJD não observou no julgamento do dia 16/12/2013.
Álvaro de Melo Filho diz ainda, em suas conclusões, que o CBJD busca "dar concretude a princípios essenciais e pilares formais, processuais e substanciais na gestão da Justiça Desportiva" e ressalta a importância do Estatuto do Torcedor para com a Justiça Desportiva:
"[Princípios]Formais – observância pela Justiça Desportiva dos princípios da impessoalidade, da moralidade, da celeridade, da publicidade e da independência (art. 34 do Estatuto do Torcedor – Lei 10.671/03) onde não há habitat para fanatismos clubísticos ou busca de happenings mediáticos geradores de decisões desproporcionais e desequilibradas". (g. n.)
Mais uma vez torna-se cristalina a submissão do Código Desportivo ao Estatuto do Torcedor.
Além disso, Álvaro de Melo Filho, autor de mais de 43 livros jurídicos, sendo 23 na área desportiva (segundo seu currículo breve no CNE)[8], argumenta que os princípios relacionados pelo Estatuto do Torcedor fazem com que as decisões dos tribunais desportivos não devessem ser geradores de decisões desproporcionais e desequilibradas.
Seria, desse modo, o caso do jogador da Portuguesa que jogou alguns minutos em jogo para apenas cumprir tabela na última rodada do Campeonato Brasileiro e, por isso, a 1ª Comissão Disciplinar, com parecer do auditor Felipe Bevilacqua de Souza, determinou a perda de quatro pontos para o clube, que foi assim declarado rebaixado à Série B.
Conselho Nacional do Esporte já pretendia e pretende modificar publicidade das decisões da Justiça Desportiva
Há no sítio do Ministério dos Esportes, na parte relativa ao CNE (Conselho Nacional do Esporte) uma minuta de revisão do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).
Essa minuta pode ser localizada na "Consulta Pública sobre a Reforma do CBJD" [9] no sítio do STJD.
Comparando-se o atual artigo 40 do Código com a proposta e tendo-se no meio as regras do Estatuto do Torcedor, tem-se a seguinte situação:
CBJD atual (1) | Estatuto do Torcedor (2) | CBJD – proposta do CNE (3) |
Art. 40. As decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva devem ser publicadas na forma da legislação desportiva, podendo, em face do princípio da celeridade, utilizar-se de edital ou qualquer meio eletrônico, especialmente a Internet. (Redação dada pela Resolução CNE nº 29 de 2009). | Art. 34. É direito do torcedor que os órgãos da Justiça Desportiva, no exercício de suas funções, observem os princípios da impessoalidade, da moralidade, da celeridade, da publicidade e da independência.
Art. 35. As decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva devem ser, em qualquer hipótese, motivadas e ter a mesma publicidade que as decisões dos tribunais federais.
§ 1o ………………………..
§ 2o As decisões de que trata o caput serão disponibilizadas no sítio de que trata o § 1o do art. 5o. (Redação dada pela Lei nº 12.299, de 2010).
Art. 36. São nulas as decisões proferidas que não observarem o disposto nos arts. 34 e 35. | Art. 40. As decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva devem ser publicadas na forma da lei, podendo, em face do princípio da celeridade, o serem via edital ou internet. |
Observa-se que em vez de as decisões serem publicadas na forma da legislação desportiva, a proposta atual determina que a as decisões a cargo dos órgãos de Justiça Desportiva devam ser publicadas na forma da lei.
Mas o que diz a lei sobre a publicação das decisões?
Vamos examinar o Estatuto do Torcedor, o Código de Processo Civil (o CPC) e os regimentos de todos Tribunais Federais (item 5).
O Estatuto do Torcedor, que é uma lei federal, determina a publicidade análoga à da justiça federal para as decisões da Justiça Desportiva. Exige a publicação na internet, o que permitiria aos interessados em tempo hábil promover as ações que considerassem necessárias, como um recurso.
Daí a necessidade de se atualizar o CBJD. O CNE deu o primeiro passo nesse sentido ao elaborar a nova minuta e a nova redação do artigo 40 (quadro acima) que adequa a publicidade das decisões "na forma da lei" e na "internet", numa clara relação com as regras do Estatuto do Torcedor, já com as alterações da Lei nº 12.299/2010. É o que demonstra o quadro acima, do qual se infere a compatibilização do atual CBJD com aos comandos do Estatuto do Torcedor.
Além das determinações do Estatuto do Torcedor, têm-se os comandos complementares do Código de Processo Civil.
Os prazos na lei – O Código de Processo Civil – CPC [10]
O Código de Processo Civil estabelece em síntese que os atos processuais acontecem nos dias úteis e que é prorrogado o prazo para recurso para o primeiro dia útil, caso o vencimento caia num domingo. Alguns artigos do CPC tratam desse tema:
"Art. 172. Os atos processuais realizar-se-ão em dias úteis, das 6 (seis) às 20 (vinte) horas. (…)
Art. 173. Durante as férias e nos feriados não se praticarão atos processuais.
Excetuam-se: (…)
Parágrafo único. O prazo para a resposta do réu só começará a correr no primeiro dia útil seguinte ao feriado ou às férias.
Art. 175. São feriados, para efeito forense, os domingos e os dias declarados por lei.
Art. 184. Salvo disposição em contrário, computar-se-ão os prazos, excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
§ 1º Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil se o vencimento cair em feriado ou em dia em que: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
I – for determinado o fechamento do fórum;
II – o expediente forense for encerrado antes da hora normal.
§ 2º Os prazos somente começam a correr do primeiro dia útil após a intimação
(art. 240 e parágrafo único). (Redação dada pela Lei nº 8.079, de 13.9.1990)" (g.n.)
Considerando que a Justiça Desportiva deva dar publicidade a suas decisões, sob pena de nulidade, tal como se faz na justiça federal, está claro que o prazo para recurso relativo a uma decisão da noite de uma sexta-feira começa a contar a partir da segunda-feira, caso esse dia seja dia útil. Não prosperaria o argumento precário e insubsistente de que o recurso, no caso concreto da Portuguesa, devesse ser apresentado no sábado, dia que não é dia útil e no qual nem plantão há na Justiça Desportiva.
O Regimento Interno do Tribunal Federal da 2ª Região tomado como exemplo
Ao se examinar o regimento interno do TRF da 2ª Região encontra-se a realidade já prevista no Código de Processo Civil.
Pelos artigos abaixo pode-se verificar que os prazos são contados a partir da efetiva publicação em meios disponíveis para o Tribunal, no caso o Diário da Justiça da União (DJU) ou o Diário Eletrônico da Segunda Região (na internet). Só a partir dessa publicação é que se dá início à contagem do prazo para recursos.
E os prazos começam no dia de reabertura do expediente:
"Art. 100. Os prazos no Tribunal correrão da intimação da parte pela publicação do ato ou do aviso no Diário da Justiça da União ou no Diário Eletrônico da Segunda Região, após sua implantação, podendo o Relator determinar que corram da intimação pessoal ou da ciência por outro meio eficaz.
Art. 101. Não correm os prazos nos períodos de recesso, salvo as hipóteses previstas em lei ou neste Regimento.
§ 1º. Nos casos deste artigo, os prazos começam ou continuam a fluir no dia de reabertura do expediente. (…)."
Tal como prevê o CPC, o Tribunal Federal da 2ª Região adota a publicação como fato gerador de um possível recurso, não contando o fim de semana. Dessa maneira, uma decisão prolatada numa sexta-feira à noite, se publicada na segunda-feira, abriria o prazo recursal. Sem isso, qualquer decisão pode ser considerada ilegal, pois contrariaria o Regimento e o Código de Processo Civil.
No caso concreto da Portuguesa, o Estatuto do Torcedor não dá mais possibilidade para a eficácia do artigo 133 do CBJD, ao tornar análoga a publicidade das decisões da Justiça Desportiva com as dos tribunais federais.
Obs.: os regimentos, no que toca aos prazos, dos demais TRFs são semelhantes (ou quase idênticos) ao regimento do TRF da 2ª Região, e naturalmente refletem as determinações do CPC.
O mesmo vale para todos Tribunais federais superiores, tais com o Supremo Tribunal Federal (STF)[11], o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Compatibilização do CBJD com a lei em 2009
Em trabalho publicado pelo IBDD (Instituto Brasileiro de Direito Desportivo) e pelo Ministério do Esporte, e publicado no sítio do Ministério[12] denominado "A Reforma do Código Brasileiro de Justiça Desportiva", consta o Relatório final da Reforma do CBJD realizada em 2009.
No relatório, constam diversas vezes menções a ajustes feitos então no Código em função da Lei nº 9.615, de 1998, que indicam mais claramente a submissão do CBJD e dos membros do CNE às leis federais, no caso a Lei nº 9.615/98:
Página | Texto |
23 | Foram propostas modificações sobre as regras relativas à concessão de efeito suspensivo aos recursos, com o propósito de compatibilizar o CBJD com o disposto no art. 53, § 4º, da Lei nº 9.615, de 1998 (arts. 147-A e 147-B). |
23 | Foram propostas modificações sobre as regras relativas à concessão de efeito suspensivo aos recursos, com o propósito de compatibilizar o CBJD com o disposto no art. 53, § 4º, da Lei nº 9.615, de 1998 (arts. 147-A e 147-B). |
32 | Foram propostas modificações sobre as regras relativas à concessão de efeito suspensivo aos recursos, com o propósito de compatibilizar o CBJD com o disposto no art. 53, § 4º, da Lei nº 9.615, de 1998 (arts. 147-A e 147-B). |
É o que se esperaria normalmente: o Código de Justiça Desportiva deve ser sempre atualizado e compatibilizado com a lei, em seu sentido amplo, em vigor.
Estatuto do Torcedor – Diretrizes para a Regulamentação (questão ainda em aberto)
No sítio do CNE/Ministério do Esporte consta estudo sobre a regulamentação do Estatuto do Torcedor elaborado pela Comissão de Estudos Jurídicos Desportivos (CEBJ)[13].
O trabalho de autoria de Álvaro de Melo Filho, Luiz Felipe Santoro e Paulo Sérgio de Castilho, informa que a demanda para essa regulamentação teria surgido com a atualização do Estatuto (Lei 10.671/2003) por meio da Lei 12.299/2010.
E afirmam claramente que as normas do Estatuto do Torcedor ou Estatuto de Defesa do Torcedor (EDT) são autoaplicáveis:
"Apesar de ser assente o fato de que o disposto no EDT é auto-aplicável, até mesmo no que se refere às modificações impostas após sua recente reforma, a CEJD entende que sua regulamentação cumprirá o papel de melhor desenvolver seu objeto. Isso pode dar-se através da maximização da forma de sua aplicação, do detalhamento daquilo possível de vir a ser minudenciado, bem como pela orientação do modo como a Administração deve se portar em sua execução."(g. n.)
Recordam que a Lei nº 12.299/2010 surgiu de anteprojeto elaborado pelo Ministério do Esporte e a CBF, dentre outros:
"A aprovação da Lei 12.299/2010, surgida de anteprojeto preparado por comissão formada por integrantes dos ministérios da Justiça e do Esporte, assim como por representantes da Confederação Brasileira de Futebol e do Ministério Público do Estado de São Paulo, nos conduz a uma nova postura, mesmo frente ao que já ocorria com a vigência do EDT antes das modificações delas decorrentes."
Consta ainda no documento "Diretrizes para a Regulamentação" que:
"O EDT nasceu, em 2003, num ambiente em que proliferavam as carências estruturais e organizativas visíveis nas filas de bilheterias e entradas desorganizadas nos estádios, nas "viradas de mesa" e adoção de critérios não-desportivos para a participação de clubes nas competições (…)" (g. n.)
O eminente jurista opina, portanto, que o Estatuto do Torcedor é autoaplicável. Seus comandos independem de regulação posterior e a lei é, tal como seria de esperar, eficaz por si só.
A Justiça Desportiva na Constituição Federal – alguns aspectos
O art. 217, §1º, da Constituição diz o seguinte:
"O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei;". (g. n.)
Se a justiça desportiva, pela Constituição Federal, é regulada em lei, essa "lei" em sentido amplo inclui a Lei 9.615/98 e o Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/2003 e alterações).
Fica mais uma vez claro respeito e a submissão do CBJD com as leis que o regulam, de acordo com a CF88.
Daí ser óbvio prever que caso existam alterações na leis que regulam a justiça desportiva há necessidade de ou (i) novas interpretações de acordo com lei federal superior reguladora e/ou (ii) acolhimento por parte do Código Brasileiro de Justiça Desportiva das alterações legais na forma de revisão do próprio Código, que estaria desatualizado.
Não se poderia sequer imaginar a vigência da eficácia de regras do CBJD que viessem a contrariar leis federais, cuja regulação do Código desportivo é previsto na Constituição.
A constitucionalidade do Estatuto do Torcedor confirmada pelo Supremo
O Supremo Tribunal Federal em acórdão de 23/02/2012 proclamou a constitucionalidade de todas as regras arguidas pelo "Partido Republicano" em ação direta de inconstitucionalidade nº 2.937-DF relativa ao Estatuto do Torcedor[14].
O acórdão diz o seguinte:
"EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Arts. 8º, I, 9º, § 5º, incs. I e II, e § 4º, 11, caput e §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º, 12, 19, 30, § único, 32, caput e §§ 1º e 2º, 33, § único, incs. II e III, e 37, caput, incs. I e II, § 1º e inc. II, e § 3º, da Lei federal nº 10.671/2003. Estatuto de Defesa do Torcedor. Esporte.
Alegação de incompetência legislativa da União, ofensa à autonomia das entidades desportivas, e de lesão a direitos e garantias individuais. Vulneração dos arts. 5º, incs. X, XVII, XVIII, LIV, LV e LVII, e § 2º, 18, caput, 24, inc. IX e § 1º, e 217, inc. I, da CF. Não ocorrência. Normas de caráter geral, que impõem limitações válidas à autonomia relativa das entidades de desporto, sem lesionar direitos e garantias individuais. Ação julgada improcedente. São constitucionais as normas constantes dos arts. 8º, I, 9º, § 5º, incs. I e II, e § 4º, 11, caput e §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º, 12, 19, 30, § único, 32, caput e §§ 1º e 2º, 33, § único, incs. II e III, e 37, caput, incs. I e II, § 1º e inc. II, e § 3º, da Lei federal nº 10.671/2003, denominada Estatuto de Defesa do Torcedor." (g.n.)
Em voto magnífico o Relator, Ministro Cezar Peluso, rejeita todos argumentos contrários e ratifica a constitucionalidade plena do Estatuto do Torcedor e afirma:
"O esporte é, aliás, um dentre vários e relevantes direitos em jogo. As disposições do Estatuto homenageiam, inter alia, o direito do cidadão à vida, à integridade e incolumidade física e moral, inerentes à dignidade da pessoa humana, à defesa de sua condição de consumidor, ao lazer e à segurança." (g. n.)
Essa declaração do STF é importante no sentido de validar, definitivamente, as regras do Estatuto do Torcedor e a sua função regulatória sobre o Código Brasileiro de Justiça Desportiva.
E o Relator ataca a posição do autor Álvaro de Melo Filho, cuja obra foi utilizada no embasamento jurídico apresentado pelo Partido Republicano. É como se Peluso afirmasse serem inconstitucionais também, a seu ver, a versão do Autor relativa à autonomia do direito desportivo:
"Os argumentos todos da inicial – muitos dos quais, aliás, guardam estreita semelhança com trechos da obra "Direito Desportivo: novos rumos", de Álvaro de Melo Filho, sendo as de fls. 10 a 28 nitidamente inspiradas no teor constante das páginas 93 a 120 desse livro – fundamentam, em essência, as três principais arguições da causa: (i) extravasamento da competência da União, em razão da edição de normas não-gerais; (ii) ofensa à autonomia das entidades desportivas; e (iii) lesão a diversos direitos e garantias individuais por força das sanções irrazoáveis e desproporcionais previstas no Estatuto.Não tem razão." (g. n.)
A aplicação regular do Estatuto do Torcedor pelo STJD e pela CBF
Em rápida busca no sítio do STJD, contido no portal da CBF, observa-se que muitas denúncias levam em consideração artigos da Lei nº 10.671, o Estatuto do Torcedor, e ratificam o entendimento de que o ETD regula, de fato e de direito, a Justiça Desportiva.
Exemplos disso são:
a) a denúncia da 5ª Comissão Disciplinar do STJD apresentada em julgamento de 12 de setembro de 2013 (http://imagens.cbf.com.br/201309/1767478430.pdf):
"5. PROCESSO Nº 072/2013 –Jogo: C.R Brasil (AL) X Sampaio Correa F.C (MA) categoria profissional, realizado em 07 de agosto de 2013- Campeonato Brasileiro – Série C – Denunciados: Federação Alagoana de Futebol e C.R . Brasil, incursas nos Arts.191 incisos I e III c/c Art.6, alínea "1" e 7, alínea "1" do RGC da CBF ambos do CBJD e ao Art.16 do Estatuto do Torcedor. – AUDITOR RELATOR Dr. Vítor Butruce."[15] (g.n.)
b) a denúncia da 4ª Comissão Disciplinar do STJD apresentada em julgamento de 11 de outubro de 2013 (http://imagens.cbf.com.br/201310/305541517.pdf):
"15. PROCESSO Nº 127/2013 – Jogo: Gurupi EC (TO) X Plácido de Castro (AC) – categoria profissional, realizado em 10 de setembro de 2013 – Campeonato Brasileiro Série D – Denunciado: Renato Costa Silva, atleta do Plácido de Castro, incurso no art. 250 do CBJD; Gurupi EC, incurso no art. 191, I e III, do CBJD c/c art. 76, itens 8 e 9 do RGC/CBF e do art. 15 do RECB da Série D e art. 7, §§ 1º e 10º do RGC e arts. 13 e 13ª [sic], VII do Estatuto do Torcedor, 213, I, §1º do CBJD e 213, III, §1º do CBJD c/c art. 7º, 10, do RGC da CBF. AUDITOR RELATOR DR. PAULO SÉRGIO FEUZ." (g.n.)[16]
c) a denúncia da 3ª Comissão Disciplinar do STJD apresentada em julgamento de 16 de outubro de 2013 (http://imagens.cbf.com.br/201310/56672069.pdf):
"11. PROCESSO Nº 116/2013 – Jogo: ABC FC (RN) X SE Palmeiras (SP) – categoria profissional, realizado em 05 de outubro de 2013 – Campeonato Brasileiro – Série B – Denunciado: ABC FC, incurso nos Arts. 206, 211 e 213, caput e § 1º, cumulados com o artigo 184, todos do CBJD, bem como, nas penas do artigo 23, §2º, do Estatuto do Torcedor. – AUDITOR RELATOR DR. FRANCISCO PESSANHA." (g.n.)[17]
d) Resolução nº 002/2012 do Tribunal Pleno do STJD, de 13/09/2012 (http://imagens.cbf.com.br/201305/694338947.pdf), afirma:
"3- Em cumprimento à norma prevista no artigo 35 da Lei nº 10.671, de 15 de maio de 2003, com as alterações empreendidas pela Lei nº 12.299, de 27 de julho de 2010 (Estatuto do Torcedor), caso seja interposto recurso, deverá o órgão judicante que expediu a decisão recorrida redigir declaração de voto com a motivação que fundamenta a decisão no prazo de dois dias úteis, a contar da data da sessão de julgamento, ainda que tal providência não tenha sido solicitada pelas partes ou pela Procuradoria durante a Sessão de Instrução e Julgamento." (g.n.)
e) Ofício da CBF para as Federações estaduais refere-se explicitamente ao estrito respeito ao Estatuto do Torcedor (http://imagens.cbf.com.br/201212/1834454720.PDF):
"Confederação Brasileira de Futebol Ofício DCO/GER – 300/12 – Rio de Janeiro, 06 de dezembro de 2012.
Às Federações Estaduais de Futebol
At.: DT
Prezados Senhores:Estamos publicando a revisão 1 do RGC – Regulamento Geral das Competições, Edição 2013, restrita aos ajustes que constam do documento anexo, Registro das Revisões (pág. 35).
Queiram observar que estamos atendendo rigorosamente aos prazos previstos no Art. 9º do EDT – Estatuto de Defesa do Torcedor (Lei nº 10.671/03).
Atenciosamente,
Virgílio Elísio da Costa Neto
Diretor de Competições" (g.n.)
f) Ofício da CBF para as Federações estaduais refere-se ao Estatuto do Torcedor (http://imagens.cbf.com.br/201212/704967617.PDF):
"Confederação Brasileira de Futebol Ofício DCO/GER – 296/12 – Rio de Janeiro, 03 de dezembro de 2012.
Às Federações Estaduais de Futebol
A/c.: DT
Assunto: Documentos Técnicos / Copa do Brasil FF 2013 / EDT
Prezados Senhores:
Estamos publicando os documentos técnicos listados abaixo, referentes à Copa do Brasil de Futebol Feminino Edição de 2013, atendendo ao que dispõe a Lei nº 10.671/03 (Estatuto do Torcedor), no seu Artigo 9º:
1. Regulamento da Competição;
2. Tabela da Competição;
3. Diagrama da Competição;
4. Plano de Ação da Competição.
Atenciosamente,
Virgílio Elísio da Costa Neto
Diretor de Competições" (g.n.)
g) Em "Tabela Detalhada / Edição 2013 da Copa do Brasil 2013 Sub/17, assim afirma a CBF (http://imagens.cbf.com.br/201308/881397457.pdf):
"4) Quaisquer estádios poderão ser substituídos na hipótese da falta dos laudos técnicos exigidos pelo Estatuto do Torcedor.
Rio de Janeiro, 26 de agosto de 2013
Virgílio Elísio da Costa Neto
Diretor de Competições" (g.n.)
Não resta qualquer dúvida, portanto, de que tanto o STJD e a CBF cumprem regularmente determinações do Estatuto do Torcedor.
Composição Comissão de Estudos Jurídicos Esportivos, do Conselho Nacional de Esporte (CNE)
A composição atual da Comissão de Estudos Jurídicos Esportivos, do CNE, foi alterada por meio da Portaria nº 56, de 25 de maio de 2011 e é a seguinte:
Álvaro Melo Filho, André Gustavo Richer, Caio Rocha (Vice-Presidente do Tribunal Pleno do STJD), Carlos Eugênio Lopes (Diretor Jurídico da CBF), Carlos Miguel Aidar, Francisco Antunes Maciel Mussnich [18] (Relator Geral da Reforma do CBJD, Auditor do Tribunal Pleno do STJD do Futebol), Gustavo Alexandre Bertuci, Heraldo Panhoca, Luiz Felipe Guimarães Santoro, Paulo Marcos Schmitt (Procurador Geral do STJD), Paulo Sérgio de Castilho, Pedro Trengrouse, Rubens Approbato Machado, Rinaldo José Martorelli e Wladimyr Vinycius de Moraes Camargos, Consultor Jurídico do Ministério do Esporte, que a preside.)
Pelo que se pode observar, parte significativa da Comissão é representada por membros do STJD e CBF e que não podem ignorar as alterações em curso do CBJD. Deveriam estar cientes de que a publicidade das decisões e o desrespeito ao prazo recursal do art. 133 (ver item a seguir), tal como previsto no CBJD, não está em harmonia com a lei em vigor.
Artigo de Álvaro de Melo Filho sobre o julgamento do dia 16/12/2013 e o polêmico artigo 133 do Código de Justiça Desportiva
Em artigo publicado no sítio do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD) [19], o professor Dr. Álvaro de Melo Filho apresenta sua interpretação sobre algumas das regras objeto de debateno julgamento de primeira instância referente à Portuguesa de Desportos.
Defende o jurista que o artigo 133 do CBJD não conflita com o comando do artigo 43, § 2º, do mesmo Código. O artigo 133 é aquele dá eficácia imediata às decisões da justiça desportiva, "independentemente de publicação ou da presença das partes ou de seus procuradores, desde que regularmente intimados para a sessão de julgamento".
Já o 43, § 2º, é a regra que estabelece ser "prorrogado o prazo até o primeiro dia útil se o início ou vencimento cair em sábado, domingo, feriado ou em dia em que não houver expediente normal na sede do órgão judicante", sendo que o prazo começa a contar no dia seguinte, pois exclui-se o de começo (caput do art. 43).
O jurista está de acordo, afinal, com o resultado proposto pela 1ª Comissão Disciplinar do STJD que teve como consequência o rebaixamento em primeira instância, precário, da Portuguesa.
A nosso ver, o artigo 133 do CBJD chega a ser excêntrico, quando privilegia o princípio da celeridade em detrimento de diversos outros princípios mais relevantes quando se almeja a Justiça. São alguns deles os princípios da ampla defesa (o primeiro do rol do art. 2º do CBJD), do contraditório, da moralidade, da publicidade, da proporcionalidade, do devido processo legal e do espírito esportivo.
No caso concreto do último dia 16/12, a celeridade imposta pelo art. 133 não deveria ter atropelado os demais princípios relacionados acima. De fato é necessário que o exame dos processos pelo STJD seja realizado com agilidade. Mas nunca sem se levar em consideração os demais princípios.
Caso contrário, o princípio da celeridade seria o único a ser de fato seguido.
Quando se relê o conteúdo do art. 133, percebe-se que há algo de errado nele, algo que não soa bem, que nos parece intimamente contra a lei ou mais, contra a ética.
O art. 133 do CBJD atual é assim:
"Art. 133. Proclamado o resultado do julgamento, a decisão produzirá efeitos imediatamente, independentemente de publicação ou da presença das partes ou de seus procuradores, desde que regularmente intimados para a sessão de julgamento, salvo na hipótese de decisão condenatória, cujos efeitos produzir-se-ão a partir do dia seguinte à proclamação.
(Redação dada pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
Parágrafo único. Nenhum ato administrativo poderá afetar as decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva. (Incluído pela Resolução CNE nº 11 de 2006 e Resolução CNE nº 13 de 2006)" (g.n.)
À primeira vista percebe-se que algo muito importante é ferido quando se tem um comando tido como legal que informa serem as decisões de eficácia imediata sem que haja publicação ou sem que esteja presente a parte encolvida (ou seu procurador). Além disso impõe um parágrafo único que define que ato administrativo algum pode influir nas decisões da Justiça Desportiva.
Esse artigo me fez recordar o estilo do comando inserto no Ato Institucional nº 5, de 1968, período em que no Brasil acirrava-se a ditadura. Eis o que estabelecia o art. 11:
"Art. 11 – Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos."
Ou seja, o artigo 133, em nome da celeridade, chega a ser despótico ou autoritário, além de ferir frontalmente com a lei em vigor, como se buscará demonstrar.
Procurando não se perder no emaranhado de normas, pode-se até examinar a possível inconstitucionalidade do artigo 133 do CBJD. É que o caput do artigo 5º da Constituição diz que somos todos iguais perante a lei e que temos direito à igualdade. Aplicando o artigo 133, o STJD assemelha-se a um tribunal revolucionário e não dá condições de igualdade à parte denunciada na mesma proporção que proveu ao acusador.
A celeridade não pode dar causa à falta de isonomia entre o direito que o cidadão ou entidade desportiva tem para recorrer na Justiça Federal (ou comum) e o direito proporcionado pela Justiça Desportiva.
A pressa pode assim ser prejudicial e dar tratamento desigual a semelhantes.
Apesar da previsão do artigo 43, § 2º, de que o prazo para se recorrer começa no primeiro dia útil, o artigo 133 denota desprezo ao artigo irmão, o artigo 43, e busca ser mais eficaz por meio de um processo mais célere do que o previsto no art. 43, artigo este que atrapalharia o andamento do ritodo STJD.
Mas existe algo importante a ser esclarecido. O artigo 133 foi inserido no Capítulo III, "Da Sessão de Instrução e Julgamento", parte integrante do Título IV, "Das Espécies do Processo Desportivo".Por seu turno, o artigo 43 consta do Capítulo IV, "Dos Prazos", dentro do Título III, "Do Processo Desportivo".
Pelo critério da especialização, é de se crer ser o Capítulo "Dos Prazos" fonte primeira quanto à definição dos prazos para recursos. Ainda mais por estar contido no Título III, "Do Processo Desportivo". Significa dizer que neste Título estão normatizadas as regras pertinentes ao processo em si, nela se incluindo os prazos a serem observados.
Consta, por exemplo, neste mesmo Título III, o artigo 34, logo no início desse Título:
"Art. 34. O processo desportivo observará os procedimentos sumário ou especial, regendo-se ambos pelas disposições que lhes são próprias e aplicando-se-lhes, obrigatoriamente, os princípios gerais de direito."
Quer dizer que a Justiça Desportiva, tal como determina o CBJD quanto ao processo, deve obrigatoriamente aplicar os princípios gerais de direito. Aplicando-se para o caso concreto: não apenas o princípio da celeridade, mas o da publicidade, o da ampla defesa etc.
Soma-se isso o que determina o primeiro artigo do Capítulo "Dos Prazos":
"Art. 42. Os atos relacionados ao processo desportivo serão realizados nos prazos previstos por este Código."
Traduzindo o artigo 42: os prazos do processo desportivo são informados no Código. A lógica conduz ao fato de que o prazo para recurso esteja no Capítulo "Dos Prazos" e não outro qualquer.
Já o artigo 133 não faz parte do Título "Do Processo Desportivo", mas sim do Título "Das Espécies do Processo Desportivo". Esse longo Título trata dos diversos procedimentos (sumário ou especial) e do rito do processo em si.
Caso o Conselho Nacional do Esporte, por meio da Comissão de Estudos Jurídicos Desportivos, quisesse validar a eficácia do artigo 133 do Código, retirando do denunciado o prazo legal para recorrer, uma exceção poderia ter sido acrescida ao Capítulo "Dos Prazos", tal como, em hipótese, seria:
"Art. 43. ……………………..
§ 2º Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil se o início ou vencimento cair em sábado, domingo, feriado ou em dia em que não houver expediente normal na sede do órgão judicantem, salvo o previsto no art. 133."
Se o Estatuto do Torcedor estabelece o rito dos tribunais federais para a publicidade dos atos da Justiça Desportiva, assim o fez para preservar direitos dos que foram julgados no tribunal. Se a publicidade fosse obrigatória apenas para "constar", não importando quando fosse providenciada a publicação, não faria sentido o artigo 36 do Estatuto, que prevê a nulidade de atos ou decisões que firam a ausência da publicidade nos moldes dos "tribunais federais".
A nosso ver, portanto, o artigo 133 do CBJD pode e deve ser combatido por ser inconstitucional, ilegal e por ferir comandos especializados constantes no próprio Código.
Conclusões
Apesar das parte das conclusões estar diluída acima, convém destacar que a lei nº 10.671/2003, o Estatuto do Torcedor (EDT), é constitucional e possui eficácia em relação com a Justiça Desportiva, a qual também regula.
O CBJD está sendo atualizado pelo CNE e já leva em conta os efeitos do Estatuto, devendo esse fato ser observado pelo Pleno do STJD no caso concreto da Portuguesa de Desportos, a despeito das alegações feitas pela 1ª Comissão Disciplinar e pelo Procurador Geral, Paulo Schmitt.
O time da Portuguesa vem sendo alvejado com um tiro de canhão, uma pena insuportável, quando deveria receber uma simples pena de multa ou advertência. Dadas as circunstâncias, a aplicação da pena, tal como foi feito no dia 16/12/2013, demonstrou total desequilíbrio e falta de razoabilidade da decisão, o que por si só, contraria o Princípio Pro-Competitione, defendido por Álvaro de Melo Filho, descrito no item 2.
A irredutibilidade do Relator Felipe Bevilacqua de Souza, da 1ª Comissão Disciplinar do STJD foi extravagante e denotou sinais de arrogância perante, em especial, a opinião pública, nela se incluindo muitos jornalistas e especialistas na área.
Fato que contrasta com posicionamento em relação a casos semelhantes propagados pelo Procurador Geral e bastante difundidos nos últimos dias, tal como no caso do Fluminense em 2010.
De um lado a tolerância quanto ao fato de um time, Fluminense, colocar um jogador irregularmente e noutra a rispidez e intolerância quanto a outro time, a Portuguesa, que também teria colocado um jogador em campo de maneira irregular.
Só que no caso da Portuguesa, não houve a devida comunicação. Não houve o cumprimento da máxima do "devido processo legal". Não houve a publicidade tal como determina o Estatuto do Torcedor e as leis processuais. A Portuguesa não teve a oportunidade de se defender, tal como permite a lei e, assim, teve seus direitos cassados sumariamente. O seu amplo direito de defesa foi comprometido.
A alegação do Procurador Geral de que o Estatuto do Torcedor não regula a Justiça Desportiva restou aqui provada como falsa.
O fato de os membros do STJD terem especialização no assunto – fato incontestável – não os faz detentores únicos da verdade e tomadores de decisões, por vezes inapropriadas, que afetem a vida de milhões de pessoas e a imagem do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, tal como se percebe pelo sentimento uníssono de revolta por parte da sociedade em geral.
O Direito Desportivo é aberto e acessível a qualquer um, advogado ou não. O Raciocínio Lógico é objetivo e nos aproxima do bom senso. O distanciamento conduz ao casuísmo.
É necessário, portanto, que o Pleno do STJD reverta o quadro e conclua pela aplicação de pena leve para a Portuguesa de Desportos, por uma questão de justiça apoiada em tantos aspectos legais ou áticos que são favoráveis ao clube paulista.
E também em nome da lisura e do nome do próprio Tribunal e à sua respeitabilidade. Não foi à toa que Álvaro de Melo Filho, em trabalho aqui já mencionado (Base Principiológica página 12), apresenta dados estatísticos por meio dos quais a Justiça Desportiva é aparentemente muito mal avaliada.
Para a pergunta: "O que você acha da atuação dos tribunais de justiça desportiva?" os percentuais de repostas foram os seguintes:
– Boa e importante para punir a violência e o mau comportamento no futebol…………………………… 11.83%
– Ruim. As penas mais severas não resistem a um segundo julgamento…………………………………. 29.77%
– Desnecessária. Os tribunais têm pouca serventia …………………………………………………………………. 6.11%
– Muito mais política do que moralizadora………………………………………………………………………………… 52.29%
Ou seja, cerca de 88% consideraram a atuação desses tribunais ruim, desnecessária ou apenas política.
O Procurador Geral receia que essa nova interpretação (do cumprimento do prazo previsto em lei) venha a causar revisão de muitos processos. Creio que isso deve ser descartado pela manutenção da segurança jurídica e pelo aguardado bom senso dos julgadores daquele Tribunal especializado.
Recomenda-se ao CNE, em especial aos representantes do Ministério do Esporte com assento no CNE, que examinem a possibilidade de rever ou de revogar o artigo 133 do Código Desportivo, sob pena de se manter a possibilidade de que decisões sem o devido processo legal possam novamente acontecer.
A manutenção da decisão do último dia 16/12 pelo Pleno do STJD poderá motivar ações na justiça comum, apoiadas na Constituição Federal e na lei, bem como alterações legislativas que buscarão tornar mais transparentes e isonômicas as decisões da Justiça Desportiva, além de medidas que objetivem, finalmente, a transferência do STJD para a capital federal.
*Carlos Antônio M. R. Lessa é advogado e Consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados.
[1]http://www.cbf.com.br/STJD/Quem%20Somos
[2]http://www.esporte.gov.br/arquivos/cedime/cpiFutebol/camara/relatorioNike.pdf
[3]http://acervo.folha.com.br/fsp/2001/06/14/20/
[4]http://acervo.folha.com.br/fsp/2001/12/07/20/
[5]http://acervo.folha.com.br/fsp/2001/04/11/20/
[6]http://www1.folha.uol.com.br/esporte/2013/12/1388254-rebaixamento-da-lusa-e-ilegal-afirmam-advogados.shtml
[7]http://www2.esporte.gov.br/seminarioreformacodbrasileiro/arquivos/informacoes/alvaroNetoCBJD2010BaseMar25.pdf
[8]http://esporte.gov.br/arquivos/cejd/arquivos/alvaroMelo2.pdf
[9]http://www.esporte.gov.br/arquivos/conselhoEsporte/cbjd/minutaReforma.pdf
[10]http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869compilada.htm
[11]http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegimentoInterno/anexo/RISTF_Dezembro_2013_versao_eletronica.pdf
[12]http://www2.esporte.gov.br/seminarioreformacodbrasileiro/arquivos/cbjdFinal.pdf
[13]http://www2.esporte.gov.br/cejd/arquivos/pareceresManifestacoes/resolucaRelatorioregulamentacaoEDT2010.pdf
[14]http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2086302
[15]Art. 16. É dever da entidade responsável pela organização da competição:
I – confirmar, com até quarenta e oito horas de antecedência, o horário e o local da realização das partidas em que a definição das equipes dependa de resultado anterior;
II – contratar seguro de acidentes pessoais, tendo como beneficiário o torcedor portador de ingresso, válido a partir do momento em que ingressar no estádio;
III – disponibilizar um médico e dois enfermeiros-padrão para cada dez mil torcedores presentes à partida;
IV – disponibilizar uma ambulância para cada dez mil torcedores presentes à partida; e
V – comunicar previamente à autoridade de saúde a realização do evento.
[16]Art. 13. O torcedor tem direito a segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das partidas. (Vigência)
Parágrafo único. Será assegurado acessibilidade ao torcedor portador de deficiência ou com mobilidade reduzida.
Art. 13-A. São condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei: (…)
[17]Art. 23. ….
§ 2o Perderá o mando de jogo por, no mínimo, seis meses, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, a entidade de prática desportiva detentora do mando do jogo em que:
I – tenha sido colocado à venda número de ingressos maior do que a capacidade de público do estádio; ou
II – tenham entrado pessoas em número maior do que a capacidade de público do estádio.
[18]http://www2.esporte.gov.br/seminarioreformacodbrasileiro/arquivos/informacoes/seminarioCBJDapresentacaoFAM.pdf
[19]http://www.ibdd.com.br/index.php/colunas/rebaixamento-da-portuguesa-e-credibilidade-da-justica-desportiva/
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/