A fábrica de santos
POR LEANDRO DEMORI*
A fábrica de santos desenforna mais um milagre de barro: São Damião.
Estão dizendo que ele sairá do Internacional por (estão dizendo…) R$ 41 milhões.
A oferta máxima, concreta, mais recente pelo jogador foi de R$ 12 milhões + Arouca, volante com valor de mercado de R$ 8,8 milhões em 2010, quando foi comprado pelo Santos. Hoje, valeria menos. Vamos supor que alguém pagasse, então, R$ 20 milhões por Damião. Por que alguém neste mundo capitalista apareceria com o dobro do dinheiro e nem mesmo cobraria do Santos a sua parte no investimento?
A imprensa noticia que o comprador de Damião é um fundo de investimentos chamado Doyen Sports. Seu representante no Brasil é Renato Duprat, com lista de maus serviços prestados ao futebol brasileiro. Mas Renato parece ser somente o homem das reuniões chiques e dos recados importantes em português. O dinheiro para compra de Damião vem de onde? Vai pra onde? E, sobretudo, esse dinheiro foi feito como?
Até mantermos a regra de que ninguém imprime dinheiro em casa, esses 41 milhões são muito pra um jogador em crise técnica que teria proposta de menos de 1/3 disso, dias atrás.
Vamos à Doyen Sports.
É um fundo noticiado inicialmente como 'inglês', mas que na verdade tem sede legal em Malta. Seu endereço é bastante importante: número 40 da Villa Fairholme, na rua Sir Augustus Bartolo, na zona de Ta' Xbiex.
Mas a Doyen sozinha é só uma empresa sem alma. Precisamos de um nome. Procurando, chegamos a Claudio Tonolla, que aparece como diretor da Doyen.
Quem é Claudio Tonolla? Legalmente falando, ele é sócio de três empresas com sede no Panamá.
TIMESTLAND HOLDINGS INC. (fundada em 03-08-2009)
SILVERNUT DEVELOPMENTS INC. (fundada em 16-11-2009)
GLADROCK DEVELOPMENTS INC. (fundada em 17-12-2009)
As três foram fundadas no mesmo ano, em um período de quatro meses, entre agosto e dezembro de 2009.
Renato Duprat confere a numerologia
Nas três empresas, Tonolla aparece como "secretario". Os cabeças, conforme os documentos dos registros panamenhos, são Roberto Verga (presidente) e Andrew Cefai (tesoureiro).
O Google nos diz que Verga é o homem de uma empresa suíça chamada Veco Group, empresa que, resumindo, faz dinheiro caminhar de um lado ao outro do planeta. Fora do Google, Verga é o homem de muitas outras empresas no Panamá.
Mas é em Andrew Cefai que devemos focar. Ele é diretor da Credence, outra empresa especializada em movimentar dinheiro. Quem também é diretor da Credence, juntinho com Cefai? Claudio Tonolla e sua bela cabeleira.
Campeão
Entre as aptidões da Credence está ajudar outras companhias e fixar domicílio em Malta.
É, a Credence fica em Malta, como a Doyen Sports.
Pois então, no mesmo endereço da Doyen Sports, sim: número 40 da Villa Fairholme, na rua Sir Augustus Bartolo, na zona de Ta' Xbiex.
Como desconfiança inicial, o Santos poderia estar servindo de barriga de aluguel ao aceitar o jogador, emprestando seu nome e seu time pra que dinheiro seja movimentado de um continente ao outro.
Mas a história fica mais interessante quando vemos o que a Credence faz: ela ajuda a montar e administrar empresas de jogo online, entre elas, de apostas eletrônicas em esportes. Na mesma página, a Credence faz questão de garantir que Malta é "a maior jurisdição para jogos online do mundo".
Então temos a Doyen Sports, que administra carreiras de jogadores, compra e vende jogadores, que administra a imagem de jogadores de futebol, e a Credence, que assessora empresas de apostas online em esportes, no mesmo endereço.
E temos Claudio Tonolla no quadro de diretores de ambas.
Temos mais.
No mesmo endereço da Doyen e da Credence está instalada a Win Bets Ltd. A empresa tem registrado em seu nome o domínio betcompara.com, um buscador de casas de apostas que promete comparar taxas de sucesso para jogos esportivos online em vários sites, supostamente oferecendo ao consumidor a chance mais real de vencer. Não fica claro em quantos sites o Bet Compara faz essa "simulação de sucesso", mas ao menos cinco deles tem seus nomes divulgados no banner central da página: Interwetten, Pinnaclesports, Williamhill, Betdsi e Youwin.
Interwetten – Sede declarada em Malta. Divulga como "parceiros" os times VFB Stuttgart, AC Fiorentina e Parma FC.
Pinnaclesports – Sede declarada em Curação, no Caribe.
Williamhill – Sede declarada em Gibraltar.
Betdsi – Sede declarada na Costa Rica.
Youwin – Sede declarada em Malta, com um controladora instalada na Ilha de Man. Seu garoto propaganda é o tenista alemão Boris Becker, curiosamente uma das estrelas da Doyen Sports.
A Doyen administra totalmente ou parcialmente as carreiras de jogadores em atividade como Kaká, Neymar e Falcão Garcia (e muitos outros). Sendo dona ou sócia de jogadores, tem influência direta, em campo, em clubes como Porto, Sevilha, Atlético de Madrid, Getafe. Ao que parece, o próximo será o Santos. Faz isso enxertando jogadores no elenco desses clubes, ou os patrocinando no fardamento.
O dinheiro proveniente de apostas não é desconhecido ao futebol. Outras redes — nestes casos, sem relação com a Doyen ou qualquer empresa citada neste texto — foram acusadas de corromper ao menos dois grandes centros do futebol mundial: Itália e Inglaterra. Não é claro, de forma alguma, que a Doyen, a Win Bets, a Youwin e qualquer outra empresa citada nesse texto, estejam despejando dinheiro na compra de Leandro Damião (ou de qualquer outro jogador) para manipular resultados. Antes de uma investigação mais acurada, não há ilegalidades na transferência do atacante.
O fato é que Doyen, Credence e Win Bets dividem o mesmo endereço em Malta. E Doyen e Credence têm Claudio Tonolla como diretor. Enquanto uma empresa negocia com jogadores e clubes, as outras lucram com apostas online de campeonatos onde estes mesmos jogadores e clubes atuam. O conflito de interesses é evidente — e passível de punição em muitos países.
Santos não está preocupado em servir a interesses que de tudo parecem duvidosos? E o Internacional, não se preocupa com a origem do dinheiro que entra em sua conta? O próprio Inter, talvez o maior beneficiário da transação de Damião, perdeu um Brasileirão justamente por causa de uma reviravolta no campeonato motivada pelo estouro de um esquema de compra de resultados, crime confessado pelo ex-árbitro Edílson Pereira de Carvalho.
Os clubes brasileiros são vítimas ou coniventes com esse tipo de negócio?
Façam suas apostas.
*Leandro Demori é jornalista especializado em investigação pela Associazione di Giornalismo Investigativo di Roma e City University de Londres.
http://impedimento.org/fabrica-de-santos/
Nota do blog: para quem não se lembra, Renato Duprat quebrou a Unicór deixando centenas de empregados na mão e milhares de associados sem plano de saúde depois de fazer campanhas milionárias de publicidade e foi da MSI/Corinthians, entre inúmeras outras ações pouco edificantes em sua vida.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/