Por que você não deve boicotar a Copa
POR OLIVER SEITZ
Tendo sido a minha pesquisa de Doutorado na Universidade de Liverpool sobre a comercialização do futebol brasileiro, dediquei um bom tempo dela a entender o impacto da Copa do Mundo no país que a hospeda. Tendo a minha banca sido composta pelo Prof. Tomlinson (Universidade de Brighton) grande referência no assunto e autor sobre o jogo de poder das autoridades esportivas e seus respectivos megaeventos, o que lhe rendeu um processo de mais de 40 páginas da FIFA, precisei ir um pouco mais a fundo no tema do que normalmente eu iria.
Foi o suficiente para saber que o impacto econômico e estrutural desses eventos quase nunca justifica o montante gasto pelo poder público. Tem até um pensamento corrente entre os pesquisadores que diz que 'em mais de 40 anos da era dos megaeventos esportivos, o único legado até agora foi reformar a área portuária de Barcelona'. De um modo geral, em relação ao ano sem o evento, o fluxo de turistas raramente aumenta, já que existe uma substituição do fluxo, e o ganho financeiro, quando existe, é irrisório. Serve pra deixar as pessoas contentes por um tempo e pra melhorar o sistema de transporte em áreas específicas. Fora isso, muito pouco a adicionar. No fim, os países e as cidades sede quase sempre se decepcionam.
Decidir por ser sede de um evento como esse é, logicamente, uma decisão enorme e extremamente arriscada. Não à toa, em sistemas democráticos mais desenvolvidos, a decisão fica diretamente por parte dos habitantes e não dos políticos. No dia 10 de Novembro desse ano, por exemplo, Munique irá realizar um plebiscito para saber se participa ou não da eleição para cidade sede das Olimpíadas de Inverno de 2022. Com as devidas informações em mãos, os cidadãos poderão decidir se querem ou não sediar o evento e arcar com as suas devidas consequências, tanto as boas quanto as ruins. Os habitantes de Vancouver votaram em 2003 e disseram sim para as Olimpíadas de Inverno de 2010. Graubünden (Suíça) em 2010, Berna em 2002 e Denver em 1976, disseram não.
Em 2007, o Brasil concorreu à sede da Copa de 2014. Em uma democracia frágil como a nossa, naturalmente ninguém perguntou se a população queria ou não. Mas, também, justiça seja feita, quase ninguém reclamou, muito pelo contrário. A sociedade em geral foi tomada por uma onda de otimismo e euforia carregados pela esperança de que a Copa por fim nos transformaria em uma nação respeitada pelo mundo. Aliado então à profunda crise econômica do mundo desenvolvido e aos efeitos moderados sentidos do lado de dentro da fronteira, a crença era de que o roteiro de contos de fada seria enfim cumprido à risca. Você sabe, não foi bem assim.
Os protestos pra mudar tudo no país agora vieram e a Copa não poderia ser um bode expiatório melhor. Se antes ela estava destinada a coroar o nosso sucesso, ela passou a ser uma das maiores responsáveis pelas nossas mazelas. Não tardou para surgirem vídeos e entrevistas de boicote. E simpatizantes. Muitos simpatizantes.
Mas, se a intenção é boicotar a Copa por um Brasil melhor, estão fazendo isso errado. O custo da Copa já passou, faz tempo. Agora é justamente a hora de começar a colher os parcos frutos do bilionário investimento, por menor que eles sejam, e evitar um prejuízo ainda maior. Boicotar a Copa agora é como buzinar pro carro bloqueando o cruzamento depois que você chegar em casa. Já passou. Não volta. Pior, só impedirá o pequeno ganho sobre o dinheiro já empenhado. Os estádios estão aí e não vão pra lugar algum. A Copa vai acontecer. Ainda que protestos civilizados sejam sempre válidos, boicotes e outras medidas extremas agora são ações imaturas e inconsequentes, típicas de quem está surfando a popular onda da revolta civil, mas que não faz a menor ideia sobre como de fato pode melhorar o próprio país.
Se a população estava muito feliz para boicotar, ou sequer protestar, 6 anos atrás, quando a candidatura foi confirmada, isso apenas mostra o superficialismo que ainda servem de referência para as nossas ações civis. Mais importante, a Copa precederá em 3 meses o real momento de exacerbar os descontentamentos e realizar os devidos boicotes em favor de uma sociedade melhor. Salve sua energia para a hora em que de fato será possível mudar alguma coisa.
Quem sabe assim, no momento mais crucial de mobilização, nós consigamos evoluir a nossa democracia a ponto de realizar plebiscitos para ações tão polêmicas, caras e fundamentais que servem de base para aquilo que nos entendemos como nação.
Do contrário, continuaremos a seguir a boiada durante as ondas efêmeras e estaremos destinados a permanecer sendo tratados como tal. Tanto pelos outros como por nós mesmos.
*Oliver Seitz é Ph.D pelo Grupo de Indústria do Futebol da Universidade de Liverpool.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/