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Blog do Juca Kfouri

Mitos e verdades sobre a Revolta da Caxirola

Juca Kfouri

03/05/2013 18h50

 

POR FRANCIEL CRUZ*

Peço licença aos senhores
Neste exato momento
Para narrar uma história
Sem nenhum comedimento
De um bizarro artefato
Feito pra enganar jumento

Desculpem minha imodéstia
Mas posso tudo contar
Pois no dia vinte e oito
Fui testemunha ocular
Estava na Fonte Nova
Só não dei sopa pro azar

Logo na entrada do estádio
Um meganha me parou
Segurou meu guarda-chuva
Prendeu e não liberou
Porém ele deixou livre
Aquilo que Brown plagiou

O tal plágio aconteceu
Sem a menor cerimônia
Brown pegou um Caxixi
E dele fez uma babilônia
Para a todos confundir
Escanteando a parcimônia

Se os incautos não sabem
Direi com autoridade
O Caxixi é um símbolo
Divina ancestralidade
Era usado na África
Em rituais de verdade

Quem quiser se informar
Sobre o sagrado chocalho
Recomendo a leitura
De um minucioso trabalho
Que em 2011 foi escrito
Por Priscila Maria Gallo

A pesquisadora afirma
Com muita convicção
Que o Caxixi sempre foi
Objeto de tradição
E no Congo e em Angola
Servia à religião

Porém quando aqui chegou
Assim informa Maria
O referido Caxixi
Ganhou outra serventia
Incorporou-se ao berimbau
Tocado com maestria

Já esta nova presepada
Não tem nada de eterno
É apenas uma cópia
Vestida com outro terno
Feita para enganar besta
Todo metido a muderno

E, como sói acontecer,
Nas chibanças de pelego
Falaram logo em criar
Num sei quantos mil emprego
Tudo feito no Brasil
Pra gringo pedir arrego

Mas, o fato é que a verdade
Sempre aparece no fim
E a tal da caxirola
Eis o nome do coisa ruim
Só saiu com o aval
Do estrangeiro I'm Green

E para referendar
Toda a esculhambação
O governo entrou em campo
Gastando logo um milhão
E mostrando a todo o mundo
O novo orgulho da nação

Também a impoluta Fifa
Entrou de vez na jogada
Querendo que os torcedores
Aplaudissem a cagada
Como o baiano num é besta
Disse não à patacoada

Aliás, NÃO na Bahia
É motivo pra empolgar
Basta recordar as lutas
De caráter popular
Assim vou pedir licença
Para poder derivar

A primeira das batalhas
De botar cabelo em pé
Esta eu me lembro bem
Foi a do Aimoré
Índio enfrentou portuga
Sem nunca ter dado ré

Logo depois ocorreu
O levante tubinambá
Povo bravo, resistiu
Sem jamais se entregar
Contra o colonizador
Não se deixou escravizar

Os livros pouco registram
O sábio motim do Maneta
Luta boa contra impostos
Sublevação porreta
Que provocou o recuo
Do mandatário careta

Outro motim esquecido
É o da Carne sem Osso
Quando também se exigia
A farinha sem caroço
Foi uma revolta grande
Causou tremendo alvoroço

Também não se pode olvidar
A revolução alfaiate
Tinha base iluminista
Peleja de alto quilate
Liderada pelo povo
Que travou o bom combate

Já a Revolta dos Malês
De origem Muçulmana
Provocou um forte impacto
Aqui na terra baiana
Luta contra a escravidão
Que era uma peste humana

E a Mãe de todas batalhas
A feminina independência
Quitéria, Felipa e Joana
Contra a subserviência
Mostrando que rebeldia
Não rima com leniência

Além destas revoltas
Existiram outras mais
A Sabinada e Canudos
São exemplos colossais
E, na cidade de Cachoeira,
A Federação dos Guanais

Mas, tanto ontem como hoje
Sempre fomos rotulados
E todos os que protestam
Tachados de mal-educados
Os poderosos só aceitam
Que sejamos conformados

Por isso querem vender
Que aqui é só alegria
Povo pacífico e ordeiro
Nesta terra da magia
Mas o fato é que sempre lutamos
Com humor e galhardia

Falam que o bonde do pagode
Agita a cidade inteira
E mostram uma parte do povo
Nesta alegre quebradeira
Mas já quebramos outros bondes
Nem tudo é só brincadeira

E a Revolta da Caxirola
Está nesta tradição
Sim, meninos, eu vi
O furor da multidão
De um povo que se recusa
A ser tratado como um cão

Inicialmente o protesto
Teve como alvo um cartola
E os atletas do Bahia
Que não sabem o que é bola
Por isso os torcedores
Mandaram catar caxirola

E tava bonito de ver
A inversão de papel
O jogador mercenário
Trabalhando como réu
Limpando todo o gramado
Foi uma vingança cruel

E foi também um repúdio
Aos que em nome da assepsia
Querem impor muitas regras
E acabar com a alegria
Domesticando a todos
Ai, meu Deus, que agonia!!!

A manifestação trouxe à tona
O que eles querem esconder
Baiano gosta de bola
Mas não gosta de sofrer
E ninguém vai determinar
Qual é seu jeito de torcer

E a moral desta história
Para quem ainda sonha
É reforçar aquele axioma
Que revolta num é vergonha
É apenas um antídoto
Contra os bichos de peçonha

Foi assim que o protesto
O pecado original
Virou-se contra a própria Fifa
Ganhou dimensão real
Pois pau que aqui nasce torto
Sempre vira berimbau

*Franciel Cruz é jornalista, torcedor do Vitória, blogueiro e ministro das relações exteriores de Amaralina e redondezas, além de cordelista de primeira, como se pode perceber, afirma o dono deste blog.

http://impedimento.org/

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/