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Blog do Juca Kfouri

E eu que nunca tinha pensado nisso...(mentira, pensado eu já tinha. Faltou foi peito para escrever)

Juca Kfouri

12/04/2013 19h45

Boca livre cultural

POR NELSON MOTTA

"O Conselheiro come" (leia AQUI) é o titulo de uma crônica antológica de João Ubaldo Ribeiro sobre um escritor que não consegue trabalhar para atender aos pedidos de entrevistas, depoimentos, prefácios, teses de mestrado e avaliações de textos, que lhe consomem muito tempo e esforço sem lhe render um tostão ou qualquer benefício. O título é uma citação da esposa do Conselheiro Ruy Barbosa, tentando explicar aos solicitantes que o marido precisava ganhar algum dinheiro com seu trabalho para pagar suas contas.

Assim como o Conselheiro e João Ubaldo, no Brasil, muitos profissionais bem-sucedidos de diversas categorias são assediados por amigos, conhecidos ou estranhos para trabalhar para eles, de graça por supuesto. Alguns são pressionados a ouvir discos e a ler livros, crônicas, peças de teatro, teses de mestrado e, pior que tudo, poemas, que não gostariam de ler nem muito bem pagos.

Os verdadeiros amigos entendem eventuais recusas, os profissionais compreendem os motivos, mas muitos não têm noção, esperam que você pare tudo que está fazendo para ajudá-los no trabalho de conclusão de curso.

De tanto atender a pedidos para depoimentos em vários documentários, de Paulo Francis à bossa nova, de Wilson Simonal aos Mutantes, de Raul Seixas a Cartola, dos Dzi Croquettes a Tim Maia, acabei merecendo uma gozação do crítico de cinema André Miranda como "o ator de documentários em maior atividade no momento".

Achei muito engraçado e oportuno, porque passou a me servir de álibi infalível para recusar novos depoimentos sobre os mais diversos temas: "Não dá, já fiz tantos que estou ficando ridículo como 'ator de documentários', vou queimar o teu filme, tenta o João Ubaldo". Valeu, André.

O pior é o tempo perdido, que poderia ser gasto descansando, trabalhando ou se divertindo com sua família e seus amigos, dado de graça para um estranho. E os jornalistas que pedem para escrever um depoimento sobre João Gilberto? Ou uma lista dos 100 maiores discos da MPB, comentados. Querem que você faça o trabalho deles. E nem imaginam o tempo e o esforço que me custam para escrever uma pequena crônica como esta.

NOTA DO BLOG: O blogueiro não encomendou o texto acima, publicado hoje  no "Globo" e no "Estadão" , ao amigo Nelson Motta.

Mas também não pagou por ele, nem pelo do também amigo João Ubaldo.

Como é por causa justa, e em causa própria, espera ser perdoado.

Porque o blogueiro também não está mais aguentando trabalhar tanto feito relógio.

Poupe-nos, pelamordedeus!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/