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Blog do Juca Kfouri

Resposta a Marin

Juca Kfouri

18/02/2013 17h50

José Maria Marin pediu explicações do blog à Justiça.

As quais foram protocoladas hoje para exame do Juiz.

De tão brilhantes, o blogueiro achou que devem ser publicadas.

Exmo. Sr. Juiz de Direito da 29ª. Vara Criminal de São Paulo

Processo nº 0116542-34.2012.8.26.0050 (2029/12)

O jornalista JOSÉ CARLOS AMARAL KFOURI, profissionalmente conhecido como JUCA KFOURI, por seu advogado, nos autos do PEDIDO DE EXPLICAÇÕES movido perante esse r. Juízo por JOSÉ MARIA MARIN, vem, em atenção à notificação recebida, esclarecer o seguinte.

Em virtude de dois escritos publicados no blog do peticionário, hospedado no UOL, o atual presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ajuizou o presente Pedido de Explicações. A rigor, não há fundamento jurídico para o pedido.

O primeiro escrito apontado na inicial é reprodução literal da convocatória da Articulação Nacional Pela Verdade e Justiça, entidade composta por diversas organizações sociais, com endereço na Internet:

http://pelaverdadeejustica.wordpress.com/. Em anexo, cópia impressa do cartaz do movimento Pela Memória, Verdade e Justiça e da convocatória "Vamos escrachar José Maria Marin!" originalmente publicada (documentos 1 e 2).

O segundo texto citado pela peça inicial, sob o título "A má memória de Marin" nada mais é do que uma legítima repercussão da entrevista dada por MARIN ao jornal Folha de S. Paulo.

O inconformismo de MARIN decorre de crítica envolvendo pronunciamento dele, como deputado, no plenário da Assembléia Legislativa de São Paulo, reclamando providências contra o jornalismo da TV Cultura de São Paulo, na época dirigido por Vladimir Herzog. Em anexo, a íntegra da sua fala publicada no Diário Oficial de 7.10.1975 (Documento 3). O colega de MARIN, deputado Wadih Helu, delineava o que seria o viés comunista da emissora, apelidando-a de "A Televisão Vietnan Cultura de São Paulo", e MARIN, em aparte, pediu:

"É preciso mais do que nunca uma providência, a fim de que a tranqüilidade volte a reinar não só nesta Casa [TV Cultura], mas principalmente nos lares paulistanos".

Em 25 de outubro Herzog seria assassinado no DOI-CODI, tendo sido forjada pelo regime militar uma versão de suicídio. O episódio é do conhecimento público.

MARIN, em outro pronunciamento relembrado pelo peticionário, proferido em 1976 (Documento 4), volta a falar em "tranqüilidade" quando homenageia o delegado Sérgio Fleury –símbolo da tortura no regime militar e um dos mais violentos policiais da história do Brasil:

"Conhecendo de perto seu caráter, sua vocação de servir, podemos afiançar, sem dúvida alguma, que Sergio Fleury ama sua profissão; que Sergio Fleury a ela se dedica com o maior carinho, sem medir esforços ou sacrifícios, para honrar não só a polícia de São Paulo, mas acima de tudo, seu título de delegado de polícia".

JOSÉ MARIA MARIN, no Pedido de Explicações, diz que o jornalista "não deixa claro se atribui ao requerente a condição de partícipe da tortura e homicídio que vitimaram o jornalista VLADIMIR HERZOG, ou se o acusa publicamente de apoiar uma barbárie dessa estirpe".

Nem uma coisa nem outra. O texto não permite nenhuma das duas conclusões. JUCA KFOURI não afirmou a participação de MARIN na tortura e morte de Herzog. Nem tomou conhecimento, por outro lado, de que JOSÉ MARIA MARIN tenha formalmente "apoiado" a "barbárie". Aliás, não se tem notícia de que alguém tenha "apoiado" o que se fez com Vladimir Herzog.

Em síntese, o que o jornalista mostra é que MARIN, ao longo de sua vida política, esteve do lado errado (pelo menos a partir de um olhar retrospectivo), pedindo "providencia" contra comunistas da TV CULTURA, para a tranqüilidade dos lares paulistanos, saudando as habilidades policiais do Delegado Fleury, etc.

Há um fato concreto e que não será esquecido. MARIN pediu providencia em seu discurso e duas semanas depois Herzog apareceu "suicidado". Há um vínculo de natureza política entre os dois acontecimentos. É assim que se conta a história de um país. Mesmo que por pobreza de espírito ou por ingênuo sentimento anticomunista, ainda que não tenha sido mencionado o nome do jornalista depois assassinado, ainda que não fosse o desejo de MARIN qualquer ato de violência, não há como fugir da responsabilidade política. Havia uma conjuntura política desfavorável aos chamados inimigos do regime e aquele tipo de discurso servia para fortalecer as forças da repressão e estimular perseguições.

JOSÉ MARIA MARIN é qualificado na peça inicial como "um dos homens mais importantes do mundo". Com certo exagero, é claro, já que os escândalos da CBF obrigaram Ricardo Teixeira a renunciar e o cargo caiu no seu colo meio sem querer… Mas, de qualquer maneira, o passado de um homem que ocupa hoje a posição de dirigente da Copa do Mundo de 2014, pode sim ser objeto de inquietação, revolta e críticas###, ainda que severas, exageradas ou não, justas ou injustas, não importa. Faz tempo, mas aconteceu: MARIN pediu "mais do que nunca uma providência" e Herzog morreu.

No Brasil há falta de memória. A peça inicial, por exemplo, ao traçar o perfil de MARIN, diz que ele, como governador do Estado, teria sido o "responsável pela extinção do DOPS". Esqueceu de dizer que não foi por humanismo. É que o convênio existente entre o governo federal e o governo de São Paulo, que autorizava a repressão política pelo DOPS paulista, havia sido rompido em 21 de janeiro. O DOPS não precisava mais existir… O que foi feito foi feito para atender os interesses do submundo do regime militar, para dar sumiço em arquivos da repressão política, poucos dias antes de Franco Montoro, de oposição, assumir o Governo de São Paulo em março de 1983.

A morte de Herzog, a farsa do suicídio e a impunidade dos criminosos deixaram seqüelas em seus amigos e familiares, além, de estimular o movimento dos jovens militantes do tal "escracho". É um caso não encerrado. A Comissão Nacional da Verdade busca mais informações sobre o episódio. Recentemente, o Poder Judiciário determinou a retificação do registro da causa de sua morte. O discurso de MARIN será sempre lembrado. É parte da sua vida. É parte da vida de Herzog.

Da juntada da presente, pede deferimento.
São Paulo, 18 de fevereiro de 2013.

Luís Francisco da S. Carvalho Fº
OAB/SP #– 63.600

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/