Um alerta ao são-paulino
POR RAFAEL BUENO*
Se você perguntar a qualquer torcedor o que ele espera do clube pelo qual ele torce, possivelmente a resposta será "títulos", no plural, e não no eventual. Para chegar às conquistas, a receita é, basicamente, ter à disposição um elenco competitivo, uma comissão técnica competente e uma boa estrutura física e de gestão.
Disputar títulos é o anseio do são-paulino, na seca desde 2008. O momento da equipe comandada por Ney Franco é positivo e o São Paulo pode fechar 2012 com a conquista da Copa Sul-Americana. Por outro lado, fora de campo, o Tricolor se vê diante de um clima nebuloso – e isto é (ou deveria ser) de total interesse dos fãs do time do Morumbi.
A sombria administração do São Paulo teve início em 2011, com o golpe no estatuto do clube desferido pelo presidente Juvenal Juvêncio, reeleito pela terceira vez seguida após a mudança estatutária. O ápice desta situação se deu nesta semana, com o pedido de demissão de René Simões, contratado para ser coordenador técnico do clube na integração dos departamentos de futebol de Cotia, onde treinam as categorias de base, e da Barra Funda, onde convivem os profissionais.
Oficialmente, os dirigentes são-paulinos afirmaram que Simões deixou o cargo por questões pessoais. A versão do ex-coordenador técnico, no entanto, em nota oficial publicada em seu site (clique aqui), é o exato oposto e, claramente, dá a entender que houve ingerência sobre as suas funções dentro do clube.
"É uma questão muito simples entre o entendimento do cargo e a função do cargo. O cargo pertence, em qualquer momento, à instituição, enquanto a função pertence por definição do organograma e do fluxograma a quem senta na cadeira referente ao mesmo", diz Simões ao explicar a sua decisão de deixar o clube. Ele também invocou o polêmico episódio ocorrido entre Ney Franco e Rogério Ceni, que tentou fazer valer uma ideia de substituição, prontamente negada pelo treinador, em jogo da Copa Sul-Americana.
Já se especula que a razão que motivou a sua saída foi a demissão de um treinador do time sub-15 do São Paulo depois de ser eliminado pelo rival Corinthians.
Independente do motivo, é importante que este cenário sirva de reflexão para o torcedor são-paulino. A despeito do bom momento da equipe profissional, é preciso pensar adiante, no futuro.
O pronunciamento de René Simões, diferenciando cargo de função, é sintomático. Em um ambiente profissional e de gestão condizente com as transformações do século 21, é impensável que se administre uma instituição sob o conceito do absolutismo, no qual uma única pessoa dita todos e quaisquer rumos. Este é o São Paulo de Juvenal Juvêncio.
O panorama atual do time profissional, que enche o são-paulino com a esperança de vibrar com uma conquista, é efêmero neste estilo de administração. Se é um exagero dizer que, com Juvêncio e seu estilo de gerir, o Tricolor vive o risco de tragédias futuras – como por exemplo, o rebaixamento à Série B –, no mínimo se deve levar em consideração o que se assistiu nos últimos dois anos, com o São Paulo longe da disputa do principal torneio internacional do continente, a Copa Libertadores da América.
A derrocada, que aparentemente será interrompida ao fim de 2012 com a garantia de uma vaga na competição continental de 2013, significa que os torcedores são-paulinos viram o seu time distante da briga pelos primeiros lugares. Não se trata de ganhar títulos apenas, mas de disputa-los – é isso que se espera de um clube grande e organizado.
A saída de René Simões expõe um São Paulo ultrapassado e põe em xeque o futuro a longo prazo. O trabalho que ele pretendia realizar é fundamental e só se torna viável quando o profissional escolhido para o cargo tem total autonomia sobre as suas funções.
Seja qual for o substituto de Simões, a linha de pensamento absolutista que rege o Tricolor de hoje em dia não deixa crer de que se resultará em algo produtivo, eficiente e muito menos permitirá a sintonia essencial entre Cotia e Barra Funda.
A ingerência que culminou na saída do ex-coordenar técnico tricolor é prejudicial e já foi vista no time profissional. O caso mais recente foi quando Paulo Miranda foi afastado às vésperas de confronto eliminatório da Copa do Brasil deste ano.
Juvêncio age de acordo com o que lhe vem à cabeça, de acordo com suas convicções. Já dizia o filósofo alemão Friedrich Nietzsche: "As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras".
Sendo assim, o que impedirá o presidente de agir impetuosa e inoportunamente sobre o trabalho do competente Ney Franco, que no episódio com o capitão e ídolo Rogério Ceni já deixou claro que não tolera interferência em sua função de treinador? Nada o impede, o que coloca em risco a saída de um grande profissional.
O São Paulo atual é uma caixa preta, torcedor são-paulino. Por mais que você venha a comemorar um título em 2012 e a vaga na Libertadores 2013, a organização do clube não indica dias promissores. Não há perspectiva de legado administrativo (não falo de reformas estruturais no Morumbi, por exemplo) para o futuro – atente-se para isso.
O São Paulo precisa de mudança. Na verdade, precisa de uma revolução. E não é no elenco, menos ainda na comissão técnica. As transformações passam, diretamente, pela adequação a uma linha de gestão moderna, a qual, definitivamente, Juvenal Juvêncio e seus asseclas – que se mostram meros súditos – não fazem parte.
A despeito do bom momento do time, que merece todo apoio, seria interessante ver o torcedor são-paulino dividir suas forças por um embate muito maior: o futuro e o legado que uma boa e atualizada gestão pode propiciar ao clube.
*Rafael Bueno é professor de Educação Física, se forma em jornalismo neste ano e são-paulino.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/