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Blog do Juca Kfouri

Visão de jogo

Juca Kfouri

03/09/2012 20h00

Por Luiz Guilherme Piva*

1.

É um problema. Futebol nasce sendo jogado sem plateia. Sozinho, em qualquer lugar. Com mais dois ou três, no quintal. Alguns mais, na escola ou na rua. Nas peneiras. Nos treinos.

Todos os movimentos são para o próprio executor, seja o ridículo ou o espetacular. Para o silêncio. Para ninguém. Para a memória.

Mas o jogo, o esporte, é praticado com torcida, por menor que seja. É gente olhando, observando, intimidando ou dando corda. Se a carreira dá certo, então, é com casa cheia, fotógrafos, televisão, comentaristas.

Nada mais é natural, ousado, destemido, silencioso, introverso, imperceptível. É como andar – quando um diretor de cena, num ensaio, manda alguém andar naturalmente, como na vida real, ninguém consegue.

Assim, o futebol como o vemos não é o mesmo que aquele praticado sem testemunhas, sem observadores, sem os olhos públicos do grande julgador, sem a onisciência da posteridade.

Componentes novos o transformam.

O medo é um. O constrangimento é outro.

Mas o pior talvez seja a vaidade.

Que agora foi levada ao extremo com o telão nos estádios.

2.

O fotógrafo de futebol é o ilusionista.

Você pode ver o jogo ao vivo e não lembrar direito ou deturpar ou misturar ou retê-lo com perfeição. Mas não é um truque. É um engano, um consolo.

Pode ouvi-lo pelo rádio e, sendo ou não influenciado pelo narrador, também criar imagens e fatos que podem ou não ser verdadeiros. Mas isso é como ler um livro, ouvir uma piada, uma história, um depoimento. Não é truque.

Menos ainda o jogo na TV. Suas imagens, ao contrário, surgiram, e são cada vez mais precisas nisso, para acabar com os enganos, as dúvidas, as deturpações de memória e opinião. Preto e colorido no branco.

A foto, não. Ela é prestidigitação pura: faz surgirem objetos, planos, expressões, entrelaçamentos, lances; faz sumirem jogadores, campos, bolas – como o mágico à sua frente, usando somente a realidade, faz surgirem cartolas de dentro de coelhos, narizes de dentro de moedas, cabeças fora dos corpos.

Ali, bem na sua cara.

Você sabe que é truque.

Mas fica pensando se não é mágica mesmo.

Se o que o fotógrafo faz não é só fingir que é um truque.

Para que finjamos não acreditar nele.

*Luiz Guilherme Piva não crê nos próprios olhos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/