Visão de jogo
Por Luiz Guilherme Piva*
1.
É um problema. Futebol nasce sendo jogado sem plateia. Sozinho, em qualquer lugar. Com mais dois ou três, no quintal. Alguns mais, na escola ou na rua. Nas peneiras. Nos treinos.
Todos os movimentos são para o próprio executor, seja o ridículo ou o espetacular. Para o silêncio. Para ninguém. Para a memória.
Mas o jogo, o esporte, é praticado com torcida, por menor que seja. É gente olhando, observando, intimidando ou dando corda. Se a carreira dá certo, então, é com casa cheia, fotógrafos, televisão, comentaristas.
Nada mais é natural, ousado, destemido, silencioso, introverso, imperceptível. É como andar – quando um diretor de cena, num ensaio, manda alguém andar naturalmente, como na vida real, ninguém consegue.
Assim, o futebol como o vemos não é o mesmo que aquele praticado sem testemunhas, sem observadores, sem os olhos públicos do grande julgador, sem a onisciência da posteridade.
Componentes novos o transformam.
O medo é um. O constrangimento é outro.
Mas o pior talvez seja a vaidade.
Que agora foi levada ao extremo com o telão nos estádios.
2.
O fotógrafo de futebol é o ilusionista.
Você pode ver o jogo ao vivo e não lembrar direito ou deturpar ou misturar ou retê-lo com perfeição. Mas não é um truque. É um engano, um consolo.
Pode ouvi-lo pelo rádio e, sendo ou não influenciado pelo narrador, também criar imagens e fatos que podem ou não ser verdadeiros. Mas isso é como ler um livro, ouvir uma piada, uma história, um depoimento. Não é truque.
Menos ainda o jogo na TV. Suas imagens, ao contrário, surgiram, e são cada vez mais precisas nisso, para acabar com os enganos, as dúvidas, as deturpações de memória e opinião. Preto e colorido no branco.
A foto, não. Ela é prestidigitação pura: faz surgirem objetos, planos, expressões, entrelaçamentos, lances; faz sumirem jogadores, campos, bolas – como o mágico à sua frente, usando somente a realidade, faz surgirem cartolas de dentro de coelhos, narizes de dentro de moedas, cabeças fora dos corpos.
Ali, bem na sua cara.
Você sabe que é truque.
Mas fica pensando se não é mágica mesmo.
Se o que o fotógrafo faz não é só fingir que é um truque.
Para que finjamos não acreditar nele.
*Luiz Guilherme Piva não crê nos próprios olhos.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/