Não somos caçadores de talentos
Por JOÃO FREIRE
Copio um trechinho do blog de José Cruz: "Os ministérios da Educação e o do Esporte promoverão a "Olimpíada Escolar de Atletismo", provas de velocidade e de salto em distância."
A presidenta da república acredita, junto com seu ministro e o presidente da CBAT (Confederação Brasileira de Atletismo), que promovendo provas de salto em distância e corridas de velocidade nas aulas de Educação Física encontraremos os talentos que faltam ao esporte olímpico brasileiro.
Bem, parece que a senhora presidenta da república, o senhor ministro do esporte e o senhor presidente da CBAT se esqueceram de perguntar antes aos professores de Educação Física das escolas o que eles acham disso.
Também esqueceram de perguntar para alguém que entende do assunto o que é Educação Física como disciplina escolar.
Eu adoraria dar à presidenta e ao senhor ministro duas ou três palavrinhas sobre o assunto, pois percebo que eles não percebem o significado da disciplina Educação Física.
Com o presidente da CBAT não perderia meu tempo; apenas espero que ele deixe o cargo o mais rapidamente possível.
Como não serei recebido, nem pela senhora presidenta, nem pelo senhor ministro, ficam aqui minhas poucas palavrinhas a eles: nós, os chamados humanos, viemos ao mundo para aprender, pois de nossos instintos nada podemos esperar; os instintos nos guiariam em ações motoras cegas apenas, e nesse quesito somos muito, muito frágeis.
Porém, a natureza nos deu a imaginação; com ela, podemos recuperar as ações realizadas e outras a realizar, e modificá-las, tornando-as mais adequadas ao convívio neste mundo.
Aos poucos fomos organizando as formas de bem utilizar a imaginação em sistemas educacionais, que começam nos pequenos grupos familiares, tribos, etc., e chegam à escola atual.
Com todo o respeito, portanto, senhora presidenta e senhor ministro, vamos às escolas para nos educar, isto é, para bem utilizar os poderes de nossa imaginação, aprendendo aquilo que é necessário para viver neste mundo; melhor, para bem viver, preservando nossa espécie e todo o restante da natureza.
Quando um aluno recebe uma aula de matemática, supõe-se que o professor não vê nele um futuro matemático, mas um futuro cidadão, que até pode vir a ser um matemático.
Quando um aluno recebe uma aula de química, também o que está em jogo é a formação do cidadão; supõe-se que aprendendo química suas chances de viver eticamente aumentam.
Ora, quando um aluno recebe uma aula de Educação Física, nós, os bons professores de Educação Física, não vemos nele um atleta, mas um cidadão, que deve ser respeitado em seus direitos de aprender e poder escolher maneiras de conduzir bem sua vida individual e social.
Entenderam agora senhora presidenta e senhor ministro?
Impor aos professores e professoras de Educação Física provinhas de Atletismo para descobrir talentos para o esporte é roubar dos alunos o direito de receber da disciplina Educação Física um rico acervo de conhecimentos para sua formação de cidadãos.
Hoje, na Educação Física, há milhares e milhares de professores e professoras dignos que se preocupam seriamente com a formação dos brasileiros.
Tanto quanto os senhores, queremos um Brasil melhor, um Brasil digno, um Brasil sem as trancas da senzala.
Não será com provinhas de Atletismo para descobrir atletas que contribuiremos para esse Brasil.
http://blog.cev.org.br/joaofreire/
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/