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Blog do Juca Kfouri

O dia em que Zico não existiu

Juca Kfouri

03/03/2012 09h13

Por ROBERTO VIEIRA

3 de março de 1953 nunca existiu

Tudo sonho

Sonho chamado futebol.

Seu Antunes não existiu

Tudo invenção portuguesa

Com certeza

Nando nunca jogou no Ceará

Nem foi perseguido por coturnos e gorilas

Edu jamais fez gol de letra

Antunes nunca brincou de pipa em Quintino

Zico então,

Nunca existiu esse menino.

Como nunca existiu o Flamengo campeão.

Toda essa história é mistério profundo

Coisa do sobrenatural

Não me leve a mal

Porém Adílio, Andrade e Tita foram vendidos ao Coritiba

Raul encerrou a carreira no Atlético Mineiro

Leandro tornou-se campeão de futivôlei

Júnior retornou a João Pessoa

Júnior nunca recebeu passe açucarado contra Fillol

Nem o Doutor

Milhões de brasileiros podem dormir felizes

– o Brasil não perdeu da Itália em 1982.

Foi desclassificado pelos russos depois do frango do Valdir.

A França não ganhou da gente nos pênaltis em 1986

– Platini acabou nossa festa nos noventa minutos.

Zico é mais uma destas lendas cariocas

Como Cristo Redentor

Como fenícios na pedra da Gávea

Como a rua Nascimento e Silva, 107.

O River Tênis Clube existiu é verdade

A rua Lucinda Barbosa, também

Bria, idem

Bria barrando moleques nos treinos.

Mas ninguém

– eu disse ninguém

– jamais ouviu falar de faltas no ângulo sem piedade

Equações abstratas perfeitas

do moço loiro de camisa vermelha e preta.

Não existindo Antunes

Nem Nandos, nem Edus, nem Arthur

Ficam felizes os idiotas da objetividade

O Flamengo do século XXI

As patrícias

Os maurícios

Os que brincam de reescrever a realidade

Chutando no balde da história o símbolo da própria história.

Resta apenas a realidade

Realidade tão bela e simétrica

Perfeita e singela

Que de tão verdadeira

Parece nos iludir por uma vida inteira.

Zico nunca existiu.

Feliz aniversário, Zico!

Que você e seu futebol volte ao lar original

Guri empatando o jogo contra o Botafogo

Diante de cento e cinqüenta mil pessoas no maior do mundo

Todas sonhando

Esfregando os olhos

Beliscando os braços

Pois sonho é a matéria prima do craque genial…

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/