Hat-Trick
Por RAFA KLEIN*
Houve uma época em que marcar gols era algo quase proibido na Europa.
Com raras exceções, a maioria dos times e seleções européias eram adeptas do "Titeanismo": aquele 1×0 amarrado, um 1×1 disputado, no máximo, um 2×0 saudado como um feito histórico.
Era como se houvesse um acordo de cavalheiros.
Um sub-entendimento entre as partes para que o futebol fosse idolatrado pela sua sovinice.
Os únicos a não respeitar essa regra foram os húngaros nas copas de 54 e naquele jogo de 82 contra El Salvador, mas o que esperar de um povo que fala uma língua daquelas?
Pois bem. Diante da dificuldade de ver gols em profusão durante uma partida, os ingleses resolveram homenagear aquele jogador destemido, capaz de desafiar a lógica ocidental e marcar três gols no mesmo jogo. Surgia aí a expressão "Hat-Trick".
O Hat-Trick era o máximo.
Só um Michelangelo de chuteiras seria capaz de fazer um Hat-Trick. Um Hat-Trick era o mais próximo da condição divina que um ser humano poderia alcançar.
É isso, o Hat-Trick era sagrado.
Até que um argentino tratou de bagunçar a religião hat-trickiana.
De uma hora pra outra, o Messi resolveu fazer Hat-Tricks em profusão e tornar banal aquilo que, um dia, foi cultuado com devoção pelos ingleses.
Talvez seja essa uma resposta argentina à guerra das Malvinas, talvez seja apenas a confirmação de que Messi é o apelido do Messias.
Tudo é possível.
Até uma reparação histórica à Hungria, claro, se algum dia alguém conseguir traduzir Hat-trick para o húngaro.
*Rafael Klein Pedroso é publicitário
Sobre o Autor
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