De mãe para filho
POR ERIKA GIMENEZ BARBUGLIO*
Domingo tinha tudo para ser um dia mais que especial… e foi!
Desde o começo do ano, aquele garotinho, de uma hora para outra, passou a ser assíduo telespectador dos jogos do Palmeiras.
Não que tenha se tornado torcedor do Verdão apenas agora, isso provavelmente ele já é desde o ventre materno, palmeirense.
Como bem se sabe, filho de palmeirense quase não tem escolha, e quando é atingido pela febre verde, torna-se doente de vez.
Mas como criança, menino no auge dos seus 5 anos e alguns meses, não tinha ainda a paciência necessária para se concentrar nos 90 minutos de bola rolando, ao contrário do primo, de mesma idade, mas com outras cores no coraçãozinho.
Assim, após uma dose deliciosa e muito bem vinda de invencibilidade, com gosto de quero mais, passou a torcer, vibrar, pular, e a ter no olhar aquele brilho tão familiar, aquela febre tão verde…
Descobriu um novo ídolo, um Pirata, já que o Santo se afastara e o Mago, em retiro, buscava reinventar suas magias!
Vibrou com uma assombração aos adversários nas cobranças de falta, gritou gol no meu colo muitas e muitas vezes, fez dancinhas, girou a camisa no ar, pulando na bancada e no sofá de casa…
E deu seus primeiros passos na complicada arte dos xingamentos, sob um olhar preocupado, que alertava: "No jogo, pode… Mas só durante o jogo!".
E ganhando esse importante aval, deliciava-se proferindo impropérios ao juiz da vez, muitas vezes nem sabendo o que dizia, me olhando de canto de olho enquanto eu, segurando o riso, ensaiava uma bronca: "Que foi, mãe ? Só no jogo… né?" .
Coisa de moleque. E coisa linda de se ver…
Antes que o politicamente correto entre em campo, eu sei que não parece certo, que os pais não devem incentivar seus filhos na arte do xingamento. Só que, para quem gosta de futebol, ou melhor, para quem ama o Palmeiras, o momento de duração de um jogo é um parêntese mágico na vida real, um instante de pura epifania…
Significa estar também em campo e, para um moleque como ele, tudo naquele espetáculo é fabuloso, são onze guerreiros, onze heróis que deveriam saber que a paixão de meninos como Dante está na ponta da chuteira, na garra de cada um, na vontade de vencer.
Cometer tais traquinagens faz parte da vida e logo mais ele dirá palavrões com os colegas, procurará seus significados no dicionário…
Por mais bobo que possa parecer isso significa amadurecer e tornar-se homem, e no que depender de mim, ele será um grande Homem, mesmo xingando o juiz durante o jogo!
Não foi o primeiro clássico da vida de Dante, outros tantos aconteceram desde março de 2006, quando nasceu.
Mas foi um dos primeiros que ele se lembrará para o resto da vida, o primeiro assistido do início ao fim…
Com certeza, terminou sendo um dia de grande aprendiza do, de entrega, de paixão, de experimentar aquela montanha russa de emoções que significa ser palmeirense: da euforia à desolação em minutos!
Nós, pessoas grandes e crescidas, sabemos bem o que é isso, vivenciamos essa experiência tantas e tantas vezes antes. Mas ele ainda não sabia…
Em sua curta vida, estar invicto há tantos jogos era uma eternidade.
Provavelmente ele não se lembrava de como era terminar um jogo derrotado.
Sentiu anteontem, no clássico, esse gosto terrivelmente amargo para um menino.
Sentiu o golpe, sofreu, chorou, se desesperou.
Como mãe, eu gostaria de ter o poder de tirar dele essa dor, de dizer que tudo aquilo era uma grande besteira, uma bobagem sem nenhum significado, apenas um jogo…
Apenas um jogo…
Mas como eu poderia dizer isso ao meu filho se eu, tantas vezes, me senti como ele?
Se eu, tantas vezes, quis gritar, chorar, quebrar coisas, e perguntar "porquê"?
Como adulta, eu jamais poderia agir dessa maneira, deixando a emoção mandar, mas ele, menino que acabara de completar seis anos, desenhando um Pirata num navio lançando de seus canhões bombas com o símbolo do Palmeiras, como poderia agir diferente?
E então, num momento catártico, deixei que ele colocasse para fora o que sentia, assistindo com muita dor meu filho sofrer, pela primeira vez, pelo Palmeiras, sofrendo junto, inutilmente. Ele estava sendo humano, demasiadamente humano, tentando reagir com diversas emoções conflitantes ao mesmo tempo.
De todas as heranças que os filhos herdam dos pais, o time do coração é questão das mais complexas.
É bom ter a companhia dele na torcida e na vitória, mas vê-lo sofrer assim na derrota é muito doloroso.
Talvez fosse melhor esquecermos essa história de futebol e focarmos no que é importante da vida. Mas que graça teria?
Precisamos de ritos na vida moderna, e o futebol, embora seja comercialmente algo de potencial sem precedentes, cumpre essa tarefa.
Filho, você é um companheiro maravilhoso.
Inclusive na arquibancada…
Vê-lo cantar o hino, vê-lo torcer, receber seu abraço eufórico na comemoração do gol é algo que não tenho como descrever.
Mas saiba que em todas as derrotas que virão também estaremos juntos, íntegros, mais fortes e sábios, e aos poucos você aprenderá a lidar com elas, no campo, e, principalmente, fora dele. Eu te quero feliz, meu Principito!
Sobre o clássico perdido, só posso te dizer que a vida é assim, um dia ganhamos, no outro perdemos.
Mas, segura em minha mão, pois, permaneceremos, cantando, vibrando e ostentando a nossa fibra.
*Erika Gimenez Barbuglio é formada na Faculdade de Letras da USP e diretora de Recursos Humanos.
(Nota do blog: houve uma confusão inicialmente em torno da autoria do texto, agora desfeita)
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/