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Blog do Juca Kfouri

Futebol e Cidade

Juca Kfouri

11/01/2012 16h25

Por PRISCILA MUSA*

Belo Horizonte, dia 8 de janeiro de 2012. Amanhecemos com a notícia: "Prefeitura de BH coloca campos de várzea à venda" (http://www.hojeemdia.com.br/noticias/politica/prefeitura-de-bh-coloca-campos-de-varzea-a-venda-1.390737).

O Futebol é um dos esportes com a capacidade de unir, dentro e fora de campo, as diferenças sociais. É um dos mais acessíveis dos que conhecemos, pois basta uma bola, ou qualquer coisa que lembre uma esfera, para que o jogo aconteça. A esfera pode rolar em qualquer espaço, desde a rua, o quintal, as praças, embaixo dos viadutos, nos campos de várzea e até nos estádios. Diante da bola as diferenças se encontram. É a experiência de lançar o corpo em campo. Não precisamos de grandes recursos financeiros nem de aparatos como bicicletas de titânio, barcos especiais, cavalos geneticamente modificados, disso ou daquilo. Também não precisamos subir montanhas, procurar mares e rios despoluídos. Apenas necessitamos colocar a esfera para rolar, que os jogadores aparecem em campo.

Entretanto, a capitalização dos times transformou os nossos clubes de futebol em grandes empresas. Cada vez mais o recurso financeiro vira o imperativo e distancia o futebol da população de renda mais baixa, de maneira que o potencial de gerar o encontro das diferenças desaparece, dando lugar à capacidade de exacerbá-las, como é o caso da estruturação da Copa do Mundo. O evento que deveria promover o futebol como espaço de socialização, esporte de todos, acaba por agenciar o encontro de grande marcas, empresas, corporações. Além de criar um impacto urbano e social nas cidades, devido às grandes obras mal planejadas e executadas, e favorecer apenas os grandes investidores e empresas.

De fato, os pés que jogam o futebol de rua não pisarão nas arquibancadas da copa. Os mesmos pés que terão suas casas demolidas e que veem suas ruas se tornar grandes avenidas de acesso aos estádios.

Neste panorama em que o futebol de todos vê seus gramados sendo devorados pelo futebol grande empresa, como é o caso do Campo do Clube Atlético Mineiro que virou Shopping Center,  no Bairro Lourdes, em Belo Horizonte, os campos de várzea exercem um papel fundamental. São espaços de resistência do futebol pés no chão, são indutores de vida urbana e promovem o encontro que só acontece no espaço publico, coletivo, de festa. Estreitam relações sociais entre cidadãos que raramente se encontram, como é o exemplo do Campo de Santa Tereza, um bairro de Belo Horizonte. Ali jogam bola os meninos moradores dos casarões do bairro no mesmo time sem camisa do moradores das Torres Gêmeas. Acabar com os campos de várzea não é só arrancar, com bicuda na canela, o espaço coletivo de meninos e meninas. É também pisar no joelho da vida na cidade.

A Prefeitura de Belo  Horizonte anuncia que irá vender os espaços de uso coletivo da cidade. Aos poucos, como no futebol, nossa Belo Horizonte, cidade de todos, passa a ser a cidade empresa. É por estas e outras que se escuta por toda a capital mineira um coro, digno de estádio, em rejeição a atual gestão municipal. Nosso campo Belo Horizonte não está a venda, nossas camisas não tem patrocinadores, nossa bola não tem dono e os nossos campos são de terra, cor de laranja.

*Priscila é arquiteta e urbanista, e jogadora de futebol de rua no time intitulado Baixo Bahia Futebol Social. Clique aqui para ver o post original com belas fotos. 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Sobre o Autor

Juca Kfouri é formado em Ciências Sociais pela USP. Diretor das revistas Placar (de 1979 a 1995) e da Playboy (1991 a 1994). Comentarista esportivo do SBT (de 1984 a 1987) e da Rede Globo (de 1988 a 1994). Participou do programa Cartão Verde, da Rede Cultura, entre 1995 e 2000 e apresentou o Bola na Rede, na RedeTV, entre 2000 e 2002. Voltou ao Cartão Verde em 2003, onde ficou até 2005. Apresentou o programa de entrevistas na rede CNT, Juca Kfouri ao vivo, entre 1996 e 1999 e foi colaborador da ESPN-Brasil entre 2005 e 2019. Colunista de futebol de “O Globo” entre 1989 e 1991 e apresentador, de 2000 até 2010, do programa CBN EC, na rede CBN de rádio. Foi colunista da Folha de S.Paulo entre 1995 e 1999, quando foi para o diário Lance!, onde ficou até voltar, em 2005, para a Folha, onde permanece com sua coluna três vezes por semana. Apresenta, também, o programa Entre Vistas, na TVT, desde janeiro de 2018.

Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/