Santos e Barça: para além das quatro linhas.
Por JORGE LUIZ SOUTO MAIOR*
Em jogos do campeonato máster, com jogadores, portanto, com uma certa idade, um pouco além do peso e sem condicionamento físico adequado (atendido o necessário eufemismo…), não pego na bola sem alguém do time contrário na minha cola e toda vez é uma falta ou uma tentativa de fazê-la. Não saio do jogo sem arranhões e hematomas. É uma guerra!
Quando eu era jogador de futebol, lá nas Minas Gerais, se a coisa tava feia havia os encarregados no time de "abrir a caixa de ferramentas". Contra times bem melhores que o nosso (claro, nenhum Barcelona), a gente podia perder, mas, antes, a gente tumultuava o jogo. Marcação homem a homem em Iniesta, Messi e Xavi, em todo o campo, revezando-se o marcador. Os outros poderiam até jogar, mas estes três não. Ao menos não teriam tanto espaço, tranqüilidade e tempo para pensar…
Lembre-se que o futebol não é esporte de performance. É um jogo e precisa ser jogado.
Elogiar o Barcelona é preciso, mas não se pode deixar de ver que os jogadores do Santos refletiram, em campo, um pouco da postura atual que se quer impregnar em parte da população brasileira: submissa, conformada e individualista. Não houve um mínimo de doação. Os jogadores pouco se importaram com o resultado. O que lhes importava era não parecerem rebeldes ou indisciplinados, para não fecharem portas para contratações no exterior.
Em trinta anos jogando bola quase toda semana, sendo que em alguns anos no futebol profissional, nunca vi tanta moleza para receber a bola e fazer passes sem ser importunado por um marcador. Os jogadores do Santos, levando olé, quando faziam uma falta, quase sem querer fazer, ainda pediam mil desculpas ao jogador do outro time. Nunca fui tratado com tanta gentileza pelo time adversário (vejam o nome: "adversário"). Mesmo o ex-árbitro de futebol, Arnaldo César Coelho, não se conformava com isso, mas seus comentários indignados logo eram abafados pelo retilíneo Cléber Machado.
Essa reciprocidade por parte do Barcelona, ademais, não existiu. Vejam os números: descontado o tempo de bola parada, o Santos ficou 18 minutos com a posse da bola (quase sempre na defesa). O Barça fez 12 faltas (sempre que o Santos ameaçava um contra-ataque). O Barça ficou cerca de 53 minutos com a bola no pé (sempre ameaçando). O Santos fez 13 faltas. E, os dois times tiveram dois cartões amarelos.
A disparidade dos tratamentos é absurda. Um time foi gentil, submisso e, até, omisso. O outro jogou uma partida de futebol. Eis a diferença, que conduziu a tamanha superioridade. Já vi muitas goleadas, já fui goleado, mas nunca vi, sobretudo em uma decisão, algo semelhante em termos de apatia e conformismo. Já pensaram em uma final de Corinthians e Palmeiras naquele clima? Ninguém nunca viu, nem verá!
A apatia, a falta de foco, ademais, era tão grande que os "caras" nem sabiam para onde correr. Corriam atrás da bola, favorecendo o "não tá mais aqui". Quase sempre havia dois do Santos cercando o mesmo jogador do Barça, indo na direção deste atraídos pelo imã da bola e quando chegavam lá é evidente que havia um do Barça sem marcação… Isso é um absurdo, que não ocorre nem em pelada de fim de semana.
É o sonho de todo jogador de futebol de meio campo, "armandinho" assim como eu, que gosta de tocar a bola prá lá e prá cá, poder jogar assim, sem ser incomodado por um marcador violento.
Talvez, também, o futebol esteja mudando… Como defendem alguns, o futebol bem jogado é aquele em que se deixa o craque jogar e que o melhor sempre vence! Mas, espera um pouco… A mágica do esporte, e sobretudo do futebol, que é um jogo, repita-se, é a incerteza sobre quem vai ganhar. O fantástico no esporte é a superação e nos jogos, mais emocionante do que a vitória do favorito é a vitória do time que não tem tantas estrelas ou a mesma estrutura econômica. Não é a vitória do medíocre, mas a vitória do time de maior entrega, de maior paixão, de maior dedicação, de maior superação e que, claro, não abandona a técnica… Nesta perspectiva, aliás, há derrotas heróicas. Derrotas memoráveis, de times que deu prazer em ver jogar, mesmo perdendo, como foi, por exemplo, a derrota do Uruguai para a Holanda na semi-final da copa do mundo de 2010.
Já a final do campeonato mundial interclubes deste ano entre Barça e Santos… Ah, como eu queria ter jogado essa partida!
Fico triste por não ter tido essa oportunidade e mais ainda por vislumbrar que talvez se integrem ao fato isolado da partida algumas graves diferenças culturais, sociais e econômicas que possam fundamentar, com maior plausibilidade, o show do Barça sobre o Santos.
* Jorge Luiz Souto Maior é Professor Associado da Faculdade de Direito da USP.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/