Fagulha no palheiro
Por LUIZ GUILHERME PIVA
Uma hora algo queima. Não de repente. Vai fritando aos poucos.
Pode ser uma frustração, um desejo que não se realizou. E pode ser defeito do sistema. Um alimentando o outro. Abrasando.
Por exemplo: quer ser artilheiro, craque com a dez, armador clássico, lançador, dono de arrancadas e dribles, passes de sinuca.
Desde pequeno tem talento para assumir o comando do ataque, o controle do meio-campo. O destino que carrega no nome.
Mas ninguém reconhece. No par-ou-ímpar, mais novo, vai pra zaga. Na peneira, tímido, vai pra zaga. No juvenil, sem lugar no meio e na frente, vai pra zaga.
E agrada. Claro, joga melhor que os zagueiros. Muito melhor.
Nunca mais sai de lá. Desarma. Marca. Tira a bola e passa pra outro brilhar, pro armador, pro meia, pro atacante, pro craque, pro artilheiro.
Nada de lançar, driblar, encantar. Só combate, cerca, impede as melhores jogadas.
Desfaz o que sempre quis fazer.
O reverso do seu sonho.
Nasceu pra enfrentar o mar – mas é faroleiro.
Zagueiro. E dos melhores. Titular, campeão, seleção, Europa.
Casa, carro, dinheiro, conforto.
Mas lá dentro um chip vai fritando.
Esquentando.
Acaba pegando fogo.
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Luiz Guilherme Piva é economista. Escreve para preservar seus chips.
Sobre o Autor
Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/