Censura, não!
Veto ao 'Fora Teixeira' remete à ditadura, diz defensor público
Por Felipe Prestes
Fotos de um mosaico feito por torcedores do Internacional com os dizeres "Fora Teixeira" durante o clássico Gre-Nal do último domingo (28) correram o país, mas elas escondem uma realidade: a Brigada Militar recolheu o material assim que percebeu a manifestação. A informação foi confirmada pelo comandante do Batalhão de Operações Especiais (BOE), responsável pela segurança nos estádios, tenente-coronel João Diniz Godói. Para o defensor público João Panitz, que conseguiu garantir o direito à manifestação em Santa Catarina, tal proibição "remete aos dias mais duros da ditadura militar".
Torcida do Inter protestou contra o presidente da CBF durante o Gre-Nal, mas Polícia Militar recolheu os cartazes | Foto: Tárlis Schneider/Ag.Freelancer/Sul21
A Polícia Militar do Rio Grande do Sul não foi a única instituição a tentar reprimir as manifestações contra o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo Teixeira no último final de semana. A Associação Nacional dos Torcedores (ANT) e a Confederação Nacional das Torcidas Organizadas (Conatorg) aproveitaram a rodada de clássicos para organizar o protesto nacional. Segundo a ANT, desde que começou a realizar manifestações contra Teixeira, no ano passado, a repressão é regra e não exceção.
O comandante do BOE afirma que a ação foi baseada no artigo 13 do Estatuto do Torcedor, que no inciso IV, incluído na lei em 2010, proíbe o cidadão de "portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo". Na interpretação de Godói, "Fora Teixeira" é uma mensagem ofensiva. "Nós interpretamos, sim, que fere o Estatuto do Torcedor, na medida em que é direcionada a uma pessoa. O estatuto é bem claro no nosso entendimento", afirma.
Não é o que pensa o defensor público da União, de Santa Catarina, João Panitz. No final de semana ele e o Ministério Público Federal impediram, com uma liminar na Justiça Federal, que esta interpretação fosse utilizada pela polícia na partida entre Avaí e Figueirense. "Este artigo tem que ser visto pelos óculos da Constituição, que garante o direito fundamental, irrevogável, inalienável, de livre manifestação do pensamento. Este artigo restringe manifestações ofensivas a grupos sociais minoritários, ou casos de xenofobia. É para este tipo de caso que se aplica a restrição", defende Panitz. Para o defensor público, o cerceamento à livre manifestação é "de todo lamentável" e "remete aos dias mais duros da ditadura militar".
O tenente-coronel Godói diz desconhecer esta decisão de Santa Catarina e afirma que no Rio Grande do Sul não houve qualquer intervenção da Justiça. Procurado pelo Sul21, o governador Tarso Genro disse, por meio de sua assessoria, que a Brigada Militar é uma instituição de Estado e não de governo e que tem autonomia para fazer a segurança nos estádios.
Para defensor público João Panitz proibição de protestos atenta contra Estado democrático | Foto: Divulgação
Federação quis definir aplicação da lei
No caso de Santa Catarina, a iniciativa de proibir as manifestações contra Teixeira partiu da Federação Catarinense de Futebol (FCF). Na quinta-feira passada, a entidade publicou nota manifestando "repúdio a qualquer manifestação ofensiva, realizada em jogos no território de Santa Catarina, direcionada ao Presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Dr. Ricardo Terra Teixeira, bem como à própria CBF".
Em seguida, a nota da FCF destacou uma parte do artigo 13, ameaçando os torcedores de serem retirados do estádio caso se manifestassem no clássico de Florianópolis: "o não cumprimento das condições estabelecidas neste artigo implicará a impossibilidade de ingresso do torcedor ao recinto esportivo, ou, se for o caso, o seu afastamento imediato do recinto, sem prejuízo de outras sansões (sic) administrativas, civis ou penais eventualmente cabíveis".
Após a decisão da Justiça Federal, a FCF emitiu outra nota, afirmando que "embora defenda, desde que não haja ofensa ou agressão, a livre manifestação do pensamento, conforme preceitua o disposto no inciso IV do art. 5° da Constituição Federal, é contrária a qualquer manifestação ofensiva nos estádios de futebol do Estado de Santa Catarina, a quem quer que seja". Diz ainda a nota que "deve ser assegurada a inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas".
O defensor público da União, João Panitz, afirma que a FCF não tem qualquer ingerência sobre a segurança nos estádios de Santa Catarina e que a atribuição de aplicar a lei nas partidas cabe tão somente à polícia. Panitz revela que a federação sequer precisou ser notificada da liminar, endereçada diretamente à Polícia Militar, para que cumprisse o que a Justiça determinava. O defensor afirma que impedir a livre manifestação fere tratados internacionais assinados pelo Brasil motivo pelo qual a Justiça Federal entendeu ter competência para o caso.
Protestos contra Ricardo Teixeira vêm sendo realizados em todo o Brasil | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
"Há um histórico de retirada de faixas"
Jorge Suzuki, integrante da ANT, afirma que, além dos casos de SC e RS, o único registro de proibição a faixas contra Ricardo Teixeira na rodada de clássicos ocorreu na Arena do Jacaré, em Sete Lagoas, na partida entre América-MG e Atlético-GO. Ele repudia as proibições. "Vamos defender nosso direito à livre manifestação. 'Fora Teixeira' não ofende ninguém. Pedir prestações de contas não ofende ninguém", afirma.
Suzuki conta que há um histórico de retirada de faixas contra a Rede Globo e Ricardo Teixeira em estádios de todo o país, desde 2010. Corintiano e morador de São Paulo, Suzuki estava em Goiânia no ano passado, em uma partida entre Corinthians e Goiás em que faixas da ANT foram retiradas do estádio. Também na capital goiana, durante um jogo da seleção brasileira contra a Holanda, já em 2011, integrantes da ANT carregavam, de fato, uma faixa ofensiva, que dizia "Fora Ricardo Ali Babá Teixeira". Mas eles não foram apenas retirados do estádio. Estavam prestes a ser agredidos por seguranças particulares quando um radialista local interveio.
No amistoso de despedida de Ronaldo da seleção, no Pacaembu, foram proibidas quaisquer faixas, menos as que eram cedidas pela Nike, que fornece material esportivo à seleção. Segundo Suzuki, na capital paulista a repressão é a regra. "Em São Paulo, qualquer manifestação de cunho político costuma ser proibida. Aqui é um dos Estados em que a repressão nos estádios é maior", conta. "No Rio de Janeiro, integrantes da ANT nos relatam que está aumentando a repressão", completa.
O integrante da ANT aponta uma contradição no comportamento das federações estaduais. "Federações se valem do poder público quando lhes convêm, mas quando lhes pedem idoneidade se defendem pelo fato de serem entidades privadas. Se o preço para se manter no poder for incitar a repressão das polícias estaduais, eles fazem", afirma.
Mas Suzuki acredita que a repressão aos protestos contra Ricardo Teixeira está com os dias contados. "Na medida em que a população for aderindo, não haverá como proibir", avalia. De fato, a proibição não impediu que a torcida do Internacional armasse seu mosaico, nem que a torcida do Grêmio colocasse uma faixa que passou despercebida pelos policiais.
E o integrante da ANT diz que a aceitação é cada vez maior, bem como a exposição dos protestos na imprensa. Conta que é cada vez maior o número de torcedores pedem informações sobre a ANT nos estádios, se associam, perguntam como colaborar. Suzuki avalia como "muito positiva" a primeira ação conjunta entre ANT e Conatorg, em que foram registrados protestos em quase todos os dez estádios que abrigaram a rodada mais chamativa do campeonato brasileiro. O torcedor avisa: vêm mais ações por aí.
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Colunas na Folha: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jucakfouri/